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06 setembro, 2025

Decolagem iminente: o que o Brasil precisa aprender com a Índia para ser potência em drones


*LRCA Defense Consulting - 06/09/2025

Enquanto o mercado global de drones se expande vertiginosamente, projetando um valor próximo de US$ 89,6 bilhões até 2030, o Brasil, com seu notável potencial industrial e técnico, ainda busca um plano de voo para se consolidar como protagonista nesse cenário. O sucesso de Tamil Nadu, na Índia, com sua estratégia de incentivos e regulamentação simplificada, surge como um farol para o desenvolvimento de uma indústria de drones nacional robusta, capaz de atender demandas civis e militares.

O voo audacioso de Tamil Nadu: um modelo a seguir
O estado indiano de Tamil Nadu demonstrou como políticas públicas bem articuladas podem transformar uma região em um polo tecnológico. A pedra angular desse sucesso foi o programa federal Production Linked Incentive (PLI), introduzido em 2021. Este programa ofereceu incentivos de até 20% sobre o valor adicionado localmente, um dos mais altos entre os esquemas PLI indianos, com um orçamento específico para drones de aproximadamente US$ 16 milhões (equivalente a ₹120 crore) inicialmente, e planos ambiciosos de expandir para US$ 360 milhões (₹3.000 crore) em novos incentivos.

A Índia, através do PLI, atraiu investimentos e fomentou o desenvolvimento de fabricantes locais de drones e sistemas eletrônicos militares, certificados 16 empresas. A proibição de importação de drones prontos, exceto para Defesa e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), também forçou o desenvolvimento doméstico, impulsionando a receita da indústria local de US$ 10,6 milhões em 2020-21 para US$ 38,4 milhões em 2021-22.

A estratégia de Tamil Nadu não se limitou a incentivos financeiros:

  • Infraestrutura: quatro centros de testes e certificação foram estabelecidos com investimentos de US$ 5,4 milhões, focando em drones militares, sensores e eletro-óptica.

  • Colaboração: a união entre governo, indústria e universidades, exemplificada pelo Drone Council, assegura a inovação contínua.

  • Regulamentação simplificada: as Drone Rules, 2021, reduziram drasticamente a burocracia, passando de 25 para apenas 5 formulários e de 72 para 4 taxas, além de criar o Digital Sky Platform, uma ferramenta digital para licenças e monitoramento de voos, que abriu quase 90% do espaço aéreo indiano como zona verde.

A meta indiana é audaciosa: tornar-se um dos maiores hubs globais de drones até 2030, com um mercado projetado em US$ 13 bilhões.

O Brasil no solo: potencial inexplorado e desafios a superar
O Brasil possui todos os ingredientes para ser um líder no setor de drones: um setor aeroespacial robusto, liderado pela Embraer; universidades de excelência como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a Universidade de São Paulo (USP); e um vasto mercado interno com demandas crescentes em agricultura de precisão, segurança pública e logística. Contudo, a ausência de um plano nacional estruturado tem impedido o país de decolar.

Entre os principais entraves, destacam-se:

  • Falta de incentivos: diferentemente de Tamil Nadu, o Brasil não possui um programa de incentivos específico para a produção de drones, resultando em empresas nacionais operando em escala limitada e dependentes de componentes importados.

  • Parcerias limitadas: a integração entre academia, startups e governo é fragmentada, carecendo de um ecossistema estruturado para drones, apesar de iniciativas promissoras como o SISDrones do Ministério da Defesa.

  • Insegurança jurídica e regulatória complexa: embora a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) tenham regulamentação para operações (RBAC-E 94), o processo de certificação de drones é considerado custoso e lento. Além disso, a indústria nacional tem sido prejudicada por:

    • Morosidade e inconsistência regulatória: a demora do governo em definir o NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) para drones e as multas retroativas aplicadas posteriormente geraram desconfiança, impactando a importação de componentes essenciais para P&D e produção local.

    • Restrições prejudiciais: a regulamentação da ANAC, promulgada apenas em 2017 apesar de propostas anteriores em 2012, inicialmente trouxe restrições, como a proibição do uso de drones acima de 25kg em operações gerais, incluindo agrícolas. Essa limitação, corrigida somente no final de 2022, atrasou significativamente o desenvolvimento do segmento de drones agrícolas no Brasil.

    • Concorrência desleal e falhas na fiscalização: o descontrole na fiscalização permitiu o florescimento de um mercado de equipamentos ilegais e fora das normativas, criando concorrência desleal para empresas em conformidade. A ausência de exigências como nota fiscal para cadastro na ANAC incentiva o uso de equipamentos contrabandeados, o que, somado à burocracia e cargas tributárias elevadas nas importações, desestimula a inovação e o investimento em P&D no Brasil.

  • Dificuldades logísticas na importação: a logística de importação, além da burocracia, dificulta pequenas compras ágeis para P&D e inviabiliza o RMA (Return Merchandise Authorization). Os altos custos de trâmites burocráticos, fiscais e logísticos frequentemente superam o valor do componente a ser substituído, encarecendo a manutenção e retardando o ciclo de desenvolvimento de produtos nacionais. Isso afeta especialmente startups e pequenos negócios, reduzindo sua competitividade.

  • Dependência e vulnerabilidade do software embarcado: este é o ponto mais crítico e estratégico. Diferentemente de países como EUA e Índia, o Brasil carece de uma visão estruturada para garantir a soberania sobre os dados gerados e armazenados por drones, especialmente em aplicações críticas como agricultura e defesa, que geram dados sensíveis do território nacional. A dependência de software estrangeiro coloca o país em risco de ter equipamentos bloqueados por decisões de governos estrangeiros ou por interesses mercadológicos, comprometendo operações estratégicas e a segurança nacional. É fundamental o desenvolvimento de software embarcado próprio e seguro, garantindo controle sobre a gestão de dados, cumprimento rigoroso da LGPD e segurança no controle operacional, para evitar que o País continue vulnerável.

  • Posicionamento global: o Brasil ainda não capitalizou seu potencial para usar drones em defesa de fronteiras e monitoramento ambiental, especialmente na Amazônia, para se posicionar como referência na América Latina.

Um plano de voo para o brasil: inspirando-se em Tamil Nadu
Para replicar o sucesso indiano, propõem-se um plano nacional de quatro grandes pontos, adaptado às singularidades brasileiras, considerando os desafios estruturais mencionados:

  • Programa Nacional de Incentivos: criação do Programa Brasileiro de Incentivo à Produção de Drones (PBID), com um investimento inicial de US$ 50 milhões, que ofereça 20% de incentivo sobre o valor adicionado local, exigindo 40% de conteúdo nacional até 2030. Esse programa visa fomentar a manufatura de componentes e o desenvolvimento de clusters regionais em São José dos Campos (SP), Recife (PE) e Uberaba (MG).

  • Fomento a parcerias público-privadas: criação de um Conselho Nacional de Drones, unindo o Ministério da Defesa, empresas (Embraer, Atech, XMobots, Stella, SkyDrones, UAVI, ADtech, Tupan Aircraft, Nest, AEL Sistemas etc.), universidades (ITA, USP, UFMG, UFSC, UFABC, UFSM e UnB) e SENAI. Este conselho coordenaria centros de excelência em São José dos Campos (defesa), Goiânia (agricultura) e Manaus (meio ambiente), com um investimento de US$ 10 milhões, além de capacitar 5.000 técnicos e pilotos de drones até 2030. Parte desse fomento deve incluir o desenvolvimento de software embarcado nacional e soluções para garantir a soberania dos dados.

  • Simplificação e segurança regulatória: a revisão do RBAC-E 94 para reduzir custos de certificação é crucial, mas deve ser acompanhada de uma reformulação mais ampla que garanta segurança jurídica. Isso inclui a agilidade na definição de NCMs, a revisão de restrições de peso para drones agrícolas, a simplificação e desburocratização dos processos de importação para P&D e RMA, e a criação de uma Plataforma Drone Brasil, nos moldes do Digital Sky Platform, agilizando licenças, registros e monitoramento. É igualmente vital intensificar o controle e a fiscalização sobre produtos contrabandeados e implementar a obrigatoriedade de comprovação fiscal para registro de drones, combatendo a concorrência desleal.

  • Posicionamento de liderança regional: o Brasil poderia focar em drones para defesa e segurança (monitoramento de fronteiras), agricultura de precisão (agronegócio) e meio ambiente (monitoramento da Amazônia), consolidando-se como o hub de drones da América Latina.

Potencial econômico e desafios futuros
Estudos preveem que o mercado global de drones atingirá US$ 65,25 bilhões em 2032 (Fortune Business Insights) ou US$ 67,64 bilhões até 2029 (Mordor Intelligence), com algumas projeções chegando a US$ 89,6 bilhões até 2030 (GlobalData). O setor de drones agrícolas, por sua vez, deve movimentar cerca de US$ 6 bilhões até 2030, com crescimento anual de 30% (Sindag). Com os incentivos certos e a resolução dos entraves estruturais, o Brasil poderia capturar US$ 5 bilhões desse mercado até 2030, gerando 50.000 empregos diretos.

Para alcançar esse patamar, será preciso superar desafios como a dependência de importações, desenvolvendo parcerias com fornecedores globais enquanto a cadeia local se consolida; a complexidade logística do território brasileiro, através de hubs regionais conectados; e a necessidade de financiamento, com a criação de um fundo de venture capital para startups e aporte do BNDES. É fundamental que, antes de fomentar o crescimento da cadeia produtiva nacional, o governo e os órgãos reguladores priorizem a resolução das barreiras de fundamentação legal, regulatória, logística e, especialmente, tecnológica (software embarcado e soberania de dados), construindo sobre um terreno estável.

Um chamado à ação
O sucesso de Tamil Nadu mostra que visão estratégica, incentivos financeiros e colaboração podem transformar um setor. O Brasil, com seu talento e mercado, está pronto para decolar. Um Programa Brasileiro de Incentivo à Produção de Drones, combinado com parcerias e uma regulamentação simplificada e segura, pode posicionar o país como líder na América Latina. É hora de o Brasil mirar alto, inspirar-se no exemplo indiano e construir um futuro onde os drones brasileiros voem longe – na defesa, na segurança, na agricultura e na preservação de nossas riquezas naturais.

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