Há um novo paradigma logístico nos conflitos do Século XXI...
*LRCA Defense Consulting - 30/12/2025
Os campos de batalha de 2025 pouco se parecem com as imagens gravadas em guerras anteriores. Em trincheiras ucranianas, não são mais caminhões militares que levam munição, água e alimentos às posições mais avançadas. São drones terrestres e aéreos que, silenciosamente, atravessam zonas perigosas para reabastecer combatentes. Esta mudança fundamental na logística militar representa uma das transformações mais significativas na arte da guerra desde a mecanização das forças armadas.
A guerra na Ucrânia tornou-se um laboratório em tempo real para inovações militares, especialmente no uso de veículos aéreos não tripulados. O que começou como uma necessidade tornou-se doutrina: drones não são mais apenas ferramentas de reconhecimento ou armas de ataque, mas a espinha dorsal da logística tática moderna.
A logística da "última milha" transformada
Em algumas brigadas ucranianas de elite, como a 3ª Brigada de Assalto e
unidades Azov, os números são impressionantes. Entre 50% e 80% das entregas de
suprimentos na zona mais avançada já são realizadas por robôs terrestres e
multirrotores pesados, substituindo completamente os veículos tripulados nas
áreas mais perigosas. Uma brigada específica relatou que seus robôs terrestres
transportam cerca de 40 toneladas de carga por semana para cinco batalhões,
chegando a responder por aproximadamente 80% da logística de linha de frente em
condições favoráveis de terreno.
Os motivos para essa transformação são claros: veículos convencionais tornaram-se alvos fáceis diante da saturação de drones de reconhecimento e ataque. A ameaça constante de UAVs russos transformou cada movimento de caminhão ou blindado em uma operação de alto risco. A resposta ucraniana foi criar um "método alternativo de entrega" que reduz drasticamente a vulnerabilidade humana.
Outra brigada de Assalto Aéreo reportou 10 a 12 toneladas mensais entregues por robôs, equivalendo a aproximadamente 80% dos suprimentos de primeira linha. Estes dados demonstram não apenas a viabilidade técnica, mas a escalabilidade da solução quando há número suficiente de sistemas disponíveis.
O ciclo industrial: da encomenda ao campo em 24 horas
A guerra ucraniana também revolucionou a cadeia de suprimentos de
equipamentos militares. Em vez de grandes estoques centralizados e vulneráveis,
unidades já encomendam drones diretamente a fabricantes ou plataformas digitais
de aquisição, com ciclos de 24 horas entre pedido e entrega na linha de frente.
Esta logística just-in-time reduz a necessidade de armazéns intermediários e
minimiza perdas por ataques a depósitos.
A Ucrânia desenvolveu capacidade de produção em escala industrial, multiplicando sua fabricação de drones em mais de 100 vezes desde 2022, atingindo milhões de unidades anuais. Esta produção massiva converteu os VANTs táticos em "arma central" do conflito, democratizando o acesso a capacidades que antes eram restritas a grandes potências.
Saturação aérea: quando o céu se torna digital
Análises recentes indicam que entre 80% e 85% dos alvos de linha de frente
são engajados por UAVs na guerra da Ucrânia, um número que revela a
centralidade dessas plataformas no conflito moderno. A guerra mostrou que
drones FPV (First Person View), multirrotores logísticos e robôs de solo podem
ser usados em escala industrial, criando um ambiente de combate completamente
novo.
Esta saturação implica que o controle do espaço aéreo baixo (até algumas centenas de metros) tornou-se tão crucial quanto o domínio aéreo tradicional. Forças que não conseguem proteger suas operações logísticas contra enxames de drones encontram-se em desvantagem crítica.
Europa e OTAN respondem à nova realidade
A União Europeia e a OTAN não ignoraram as lições ucranianas. A UE colocou
sistemas de drones e contramedidas entre as prioridades máximas de investimento
em defesa, financiando pesquisa, desenvolvimento e produção via Fundo Europeu
de Defesa e projetos PESCO. O "White Paper for European Defence –
Readiness 2030" lista drones e sistemas anti-drone como área prioritária,
ao lado de defesa antiaérea, artilharia e munições.
Planos recentes projetam grandes investimentos conjuntos até 2027, com meta de elevar a 40% a proporção de aquisições de defesa feitas coletivamente entre Estados-membros. A OTAN, por sua vez, enfatiza a expansão de produção de munições, defesa aérea e plataformas não tripuladas, reconhecendo a necessidade de recursos suficientes para uma guerra prolongada em ambiente saturado por drones.
O futuro da guerra: enxames autônomos
Análises doutrinárias recentes sugerem que o futuro dos conflitos envolverá
presença humana cada vez mais complementada por enxames de sistemas não
tripulados no ar e no solo. Drones para reconhecimento, ataque de precisão,
saturação e logística de última milha criarão campos de batalha onde a linha
entre retaguarda e vanguarda se dissolve.
Esta visão reforça que Europa e OTAN precisam maximizar investimentos não apenas em VANTs, mas em contramedidas, guerra eletrônica e infraestrutura de dados associada. A guerra moderna exige integração completa entre sistemas tripulados e não tripulados, com capacidades de comando e controle que operem em tempo real.
Brasil: oportunidade estratégica em mercado bilionário
A base industrial brasileira
O Brasil encontra-se em posição única para capitalizar sobre esta
transformação. O país já possui capacidades tecnológicas comprovadas no setor
aeroespacial e de defesa, com empresas como Embraer, reconhecida globalmente
por sua excelência em engenharia aeronáutica.
O Exército Brasileiro lançou recentemente uma Requisição de Informações para aquisição de drones de ataque das Categorias 0 e 1, sinalizando a modernização das Forças Armadas e o reconhecimento da centralidade desses sistemas na guerra contemporânea. Este movimento estratégico marca uma adaptação às realidades mostradas na Ucrânia, impulsionando a busca por soberania tecnológica.
A Marinha do Brasil ativou no último dia 12 de dezembro o Esquadrão de Drones Táticos de Esclarecimento e Ataque no Batalhão de Combate Aéreo, localizado no Complexo Naval da Ilha do Governador. A iniciativa representa um marco na modernização das Forças Armadas brasileiras e coloca o Corpo de Fuzileiros Navais na vanguarda tecnológica e doutrinária do país.
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| Drones Atobá, da Stella/Thales (acima), e Nauru 1000C da XMobots |
Capacidades técnicas existentes
O Brasil já demonstra competências significativas na área de drones. A
Stella Tecnologia desenvolveu o Atobá, considerado o maior drone da América
Latina, com capacidade de voo de 35 horas e 40% maior que o israelense Hermes
900, potencializado agora após parceria com a Thales. Este feito evidencia o alto nível de engenharia presente na indústria
nacional.
A Akaer desenvolveu família completa de sistemas não tripulados, incluindo o Albatross (classe 3, 1000 kg) para patrulha marítima e reconhecimento, e o Osprey, versão monomotor para missões similares. Ambos compartilham sistemas de terra e comunicação, permitindo otimização operacional. A empresa também trabalha em conceitos avançados como o AKR-HA, aeronave para missões na estratosfera acima de 15 km de altitude.
A XMobots, classificada como a sexta maior empresa de drones do mundo e com participação da Embraer, especializa-se em plataformas VTOL de alto desempenho, sensores multiespectrais e softwares de análise com inteligência artificial. A Tupan Aircraft desenvolve drones de carga com capacidades que variam de 125 kg a 400 kg de carga útil, com aplicações tanto civis quanto militares.
A SkyDrones forneceu plataformas Pelicano customizadas para o Technology Innovation Institute nos Emirados Árabes Unidos, operando com radares da brasileira Radaz. A Radaz, referência mundial em radares SAR para drones, possui tecnologia inédita de operação simultânea em múltiplas bandas, tendo inclusive criado subsidiária nos Emirados.
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| Drone Pelicano, da SkyDrones, com radar SAR da RADZ |
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| Moya eVTOL |
Mercado interno: necessidades urgentes
Com a vasta extensão territorial brasileira e a complexidade das
fronteiras, o país enfrenta desafios significativos de vigilância e defesa. A
Amazônia, com seus 5,5 milhões de km², exige capacidades de monitoramento que
sistemas tripulados tradicionais não conseguem prover com eficiência econômica.
Drones oferecem solução ideal para patrulhamento de longas distâncias, combate
ao desmatamento ilegal, fiscalização de garimpos e controle de fronteiras.
As Forças Armadas brasileiras necessitam modernizar capacidades em várias áreas:
Logística militar: em operações na Amazônia, o reabastecimento de posições isoladas é desafio constante. Drones logísticos poderiam transformar a capacidade de sustentação de destacamentos remotos, reduzindo custos e riscos.
Vigilância e reconhecimento: a vastidão do território nacional demanda sistemas de observação persistente. Drones de longa duração podem cobrir áreas impossíveis para meios tradicionais.
Defesa costeira e marítima: com mais de 7.400 km de costa e a Amazônia Azul (mais de 4,5 milhões de km² de zona econômica exclusiva), drones navais e submarinos oferecem multiplicação de força para a Marinha.
Potencial de exportação: América Latina e África
As exportações do setor de defesa brasileiro atingiram US$ 3,1 bilhões em
2025, aumento de 74% em relação a 2024, demonstrando o crescimento expressivo e
a competitividade internacional da indústria nacional.
O mercado latino-americano de defesa deve crescer de US$ 1,38 bilhão em 2024 para US$ 1,78 bilhão até 2029, com taxa anual de 5,30%. Países da região enfrentam desafios similares ao Brasil: vastos territórios, florestas densas, controle de narcotráfico e vigilância de fronteiras. Drones brasileiros, desenvolvidos para essas condições, têm vantagem competitiva natural.
A África representa outro mercado estratégico. Nações africanas necessitam sistemas de vigilância acessíveis para combater insurgências, proteger recursos naturais e patrulhar fronteiras. Drones brasileiros, com custo inferior a equivalentes europeus ou americanos e adequados a ambientes tropicais, posicionam-se idealmente para esse mercado.
Diversificação: drones logísticos civis
Além de aplicações militares, drones logísticos têm enorme potencial civil
no Brasil. Entregas médicas em áreas remotas da Amazônia, transporte de
suprimentos para plataformas offshore, logística agrícola e entrega urbana são
mercados em expansão global.
A experiência militar em drones logísticos pode catalisar desenvolvimento de soluções civis, criando indústria dual que amplia mercados e reduz custos por economia de escala. O Brasil poderia tornar-se hub de desenvolvimento e produção de drones logísticos para toda América Latina.
Desafios e oportunidades
Para capitalizar plenamente esta oportunidade, o Brasil enfrenta desafios:
Escala de produção: a experiência ucraniana mostra que conflitos modernos consomem drones aos milhares. Desenvolver capacidade industrial para produção em massa é essencial, tanto para atender necessidades nacionais quanto para competir em exportações.
Certificações e padrões: conquistar mercados internacionais exige conformidade com padrões rigorosos de defesa. Investimentos em certificação e homologação são necessários.
Pesquisa e desenvolvimento: manter competitividade tecnológica demanda investimento contínuo em P&D, especialmente em áreas como inteligência artificial, autonomia, guerra eletrônica e contramedidas anti-drone.
Integração de sistemas: drones modernos devem integrar-se perfeitamente com redes de comando e controle, compartilhando dados em tempo real. Desenvolver esta capacidade é crucial.
Formação de recursos humanos: a indústria necessita
engenheiros, técnicos e operadores especializados. Investir em educação e
treinamento é fundamental para sustentabilidade do setor.
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| Albatross (direita) e Osprey (esquerda) formam a nova família de UAVs da Akaer |
Momentum político e industrial
O RFI do Exército Brasileiro e a ativação do Esquadrão de Drones Táticos de Esclarecimento e Ataque no Batalhão de Combate Aéreo dos Fuzileiros Navais representam momentum importante. Autoridades
militares reconhecem a importância de incorporar tecnologias avançadas para
assegurar soberania nacional. Representantes da indústria esperam que este
movimento estimule inovação, crie empregos e aumente competitividade global.
A Embraer, já com parcerias estratégicas com gigantes como Saab, BAE Systems, Thales e L3 Harris, demonstra interesse crescente no mercado de drones. A aquisição de participação na XMobots e o desenvolvimento do Super Tucano em versão anti-drone indicam que a maior fabricante de aeronaves do Brasil vê potencial estratégico neste segmento.
Visão de futuro
O Brasil tem uma janela de oportunidade única. A guerra na Ucrânia demonstrou
definitivamente que drones são componentes centrais da guerra moderna, e a
demanda global por esses sistemas crescerá exponencialmente. Países que
dominarem tecnologias de VANTs, tanto para uso próprio quanto para exportação,
ganharão vantagem estratégica e econômica.
Com capacidades técnicas já estabelecidas, indústria aeroespacial madura, necessidades militares claras e mercados de exportação em expansão, o Brasil pode posicionar-se como potência regional em drones militares e logísticos. Este movimento fortaleceria não apenas a defesa nacional, mas criaria indústria tecnológica de alto valor agregado, gerando empregos qualificados e divisas.
A experiência ucraniana mostra o caminho: investimento massivo, produção em escala, integração operacional e adaptação doutrinária. O Brasil tem todos os elementos necessários. Resta decisão política e comprometimento industrial para transformar potencial em realidade.
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| Drones da Tupan Aircraft |
O momento de agir é agora
A revolução dos drones na logística militar não é tendência passageira, mas
transformação fundamental na natureza da guerra. Forças que não se adaptarem
encontrar-se-ão em desvantagem crítica nos conflitos futuros. A União Europeia
e a OTAN já reconheceram esta realidade e mobilizam recursos massivos.
Para o Brasil, esta é oportunidade de modernizar suas Forças Armadas, desenvolver soberania tecnológica em área estratégica e criar indústria competitiva globalmente. A base existe, as capacidades estão sendo desenvolvidas e o mercado está em franca expansão. O momento de agir é agora, antes que a janela de oportunidade se feche e outros países consolidem posições dominantes neste mercado bilionário.
A questão não é mais se drones dominarão a logística militar do futuro, mas quais países terão capacidade de produzi-los, operá-los e exportá-los. O Brasil pode e deve estar entre eles.
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