Em um tabuleiro geopolítico cada vez mais complexo, onde a disputa por recursos estratégicos se acirra, o Brasil emerge como um protagonista inesperado. Detentor da segunda maior reserva mundial de terras raras — um grupo de 17 elementos químicos vitais para a tecnologia moderna e, crescentemente, para a defesa nacional —, o país se encontra no centro de uma "corrida do ouro do século XXI" e a discussão sobre o potencial e os desafios das terras raras brasileiras nunca foi tão pertinente.
Esta reportagem mergulha na importância dessas riquezas, nos dilemas enfrentados pelo Brasil e, crucialmente, na intrínseca ligação entre as terras raras e a capacidade do país de proteger sua soberania e avançar em um cenário global dinâmico.
O que são e por que valem tanto
As terras raras são um conjunto de 17 elementos químicos, como neodímio, praseodímio e disprósio, que, apesar do nome, não são tão "raros" na crosta terrestre. A raridade reside na dificuldade e nos desafios econômicos e ambientais de sua extração, separação e purificação. Suas propriedades magnéticas e condutoras únicas os tornam insubstituíveis na fabricação de alta tecnologia: de smartphones e veículos elétricos a turbinas eólicas e equipamentos médicos de ponta.
No campo da defesa, a relevância é ainda maior. Esses minerais são a espinha dorsal de sistemas de armas avançados, conferindo precisão, eficiência e capacidade de resposta que definem a superioridade militar na era moderna.
O gigantismo do Brasil em reservas
O Brasil detém aproximadamente 23% das reservas globais de terras raras, estimadas em impressionantes 21 milhões de toneladas. Este volume coloca o país em uma posição de destaque, atrás apenas da China, que concentra cerca de 49% do total mundial. Esse patrimônio mineral está distribuído em regiões estratégicas, como a Bacia do Parnaíba (Maranhão, Piauí e Ceará), Minaçu (Goiás), e áreas na Bahia, Amazonas e Minas Gerais.
Estudos do Serviço Geológico do Brasil (SGB) apontam um potencial econômico estratosférico: com a exploração, processamento e refino adequados, o país poderia agregar R$ 243 bilhões anuais ao Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos 25 anos.
O domínio chinês e a busca por alternativas
Apesar de suas vastas reservas, o Brasil figura com uma participação modesta de apenas 1% na oferta global, produzindo cerca de 20 toneladas em 2024, um contraste gritante com as 270 mil toneladas da China. Pequim não apenas domina a produção (70% global), mas também detém o quase monopólio do processamento (92%), controlando a cadeia de valor.
Essa concentração gera uma dependência estratégica alarmante para o Ocidente, que busca desesperadamente diversificar suas fontes. Os Estados Unidos, em particular, têm direcionado seu olhar para o Brasil, sinalizando abertamente o interesse em acordos comerciais para acessar esses minerais críticos, em meio a tensões comerciais e ameaças de tarifas. A resposta brasileira (pelo menos no discurso) tem sido enfática na defesa da soberania nacional, priorizando também uma futura agregação de valor e o processamento interno.
Os desafios da exploração e o caminho brasileiro
A baixa produção brasileira não reflete apenas a falta de recursos, mas sim uma série de entraves:
- Licenciamento ambiental demorado: a burocracia para obter licenças para mineração é um gargalo significativo.
- Carência de tecnologia: o Brasil ainda carece de know-how e infraestrutura para as etapas de separação e refino, que agregam maior valor aos minerais. Especialistas apontam que a China detém essa tecnologia, o que encarece a importação de produtos já processados.
- Falta de investimentos: embora haja interesse estrangeiro, os aportes ainda não são suficientes para impulsionar a cadeia produtiva em larga escala.
- Impactos socioambientais: a mineração de terras raras é poluente e tem gerado conflitos em áreas como Minaçu (Goiás), onde processos minerários se sobrepõem a assentamentos rurais e comunidades tradicionais, exigindo regulamentação clara e atenção às populações locais.
Apesar dos desafios, há um movimento crescente para reverter esse quadro. O Ministério de Minas e Energia (MME) traçou a meta ambiciosa de posicionar o Brasil entre os cinco maiores produtores globais em poucos anos. Projetos como a Mineração Serra Verde, em Minaçu (GO), já em produção comercial, e os investimentos da australiana Meteoric Resources em Poços de Caldas (MG), demonstram o potencial. Iniciativas como a criação de um fundo de R$ 1 bilhão para pesquisa mineral, o Centro de Inovação e Tecnologia para Ímãs de Terras Raras do Senai e a aquisição de um laboratório-fábrica pela FIEMG visam desenvolver a tecnologia e a industrialização nacional.
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Locais de maior incidência do extrativismo de terras raras |
Terras raras e a defesa nacional: o ativo estratégico
A relação entre terras raras e defesa é um capítulo fundamental na estratégia de segurança de qualquer nação. Para o Brasil, essa conexão é duplamente importante, dado o vasto potencial do país.
As terras raras são componentes indispensáveis na fabricação de equipamentos militares avançados. A capacidade de desenvolver e manter uma indústria de defesa autônoma e moderna depende diretamente do acesso seguro a esses minerais. A dependência de fontes externas pode comprometer a capacidade operacional das Forças Armadas e a autonomia do país em decisões cruciais.
Motor da tecnologia militar
A aplicação de terras raras eleva o nível tecnológico dos sistemas de defesa. Elas são essenciais em:
- Sistemas de comunicação avançados: radares e sistemas via satélite, garantindo transmissões rápidas e seguras.
- Mísseis guiados: motores de precisão e sistemas de guiamento que tornam os mísseis mais exatos e letais.
- Tecnologias de detecção: sensores, lasers e equipamentos de visão noturna, cruciais para a vigilância e a identificação de alvos.
- Aeronaves e submarinos: componentes que contribuem para a leveza, eficiência e desempenho de motores e sistemas eletrônicos em plataformas militares complexas.
Vulnerabilidade da dependência externa
O quase monopólio chinês representa um risco geopolítico imenso. Em caso de conflitos ou restrições de exportação, a interrupção no fornecimento poderia paralisar a produção e a manutenção de equipamentos vitais, afetando severamente a segurança nacional.
Políticas de segurança de suprimento
O governo brasileiro tem implementado políticas para mitigar esses riscos. A discussão sobre uma Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos é um passo importante para definir quais minérios são essenciais para a defesa. O investimento em P&D, incentivos fiscais e parcerias estratégicas (que não comprometam a soberania) buscam desenvolver uma cadeia produtiva interna robusta.
A "compra" de minas brasileiras e o que isso significa
A questão da "compra" de minas brasileiras de terras raras por entidades estrangeiras é complexa e merece atenção. Embora não haja um registro generalizado de aquisições diretas de grandes minas brasileiras de terras raras por empresas estatais chinesas, o que se observa é uma forte influência por meio de acordos estratégicos.
O caso da Mineração Serra Verde, em Minaçu (GO), é emblemático. Apesar de ter recebido investimentos significativos de fundos americanos e ser a única produtora de terras raras pesadas em escala fora da Ásia, sua produção está, em grande parte, contratualmente comprometida com a China até pelo menos 2027. Isso ocorre porque a China detém o monopólio quase absoluto da tecnologia de processamento e separação desses elementos. Essa situação, onde a produção de uma mina estratégica é direcionada a um único país com capacidade de processamento, levanta sérias questões sobre a soberania e o controle do Brasil sobre seus próprios recursos. Mesmo que a propriedade da mina não seja chinesa, o destino de sua produção é. Isso significa que, na prática, o Brasil continua a ser um exportador de matéria-prima, sem agregar valor internamente e sem garantir o suprimento para sua própria indústria de defesa ou para aliados estratégicos.
Outro exemplo relevante é a venda da Mineração Taboca, controladora da Mina de Pitinga (AM), para uma estatal chinesa, que reacendeu discussões sobre soberania nacional. A Mina de Pitinga é rica em cassiterita, nióbio, terras raras e urânio. Especialistas alertam que a transferência de controle para empresas estrangeiras pode resultar na perda de domínio sobre recursos críticos, comprometendo a capacidade do Brasil de desenvolver sua própria indústria de alta tecnologia e defesa.
A australiana Meteoric Resources, por exemplo, adquiriu o projeto Caldeira em Minas Gerais, um importante depósito de terras raras de argila iônica, e está buscando financiamento, inclusive do governo brasileiro, para desenvolver a cadeia de valor.
A implicação para o Brasil é clara: a ausência de infraestrutura e know-how para o processamento de terras raras nos torna vulneráveis. A "compra" da produção, mesmo sem a aquisição da mina, é uma forma de controle que impede o País de usar seus recursos como alavanca geopolítica e de segurança nacional. Para reverter esse quadro, é imperativo que o Brasil invista massivamente em tecnologia de processamento e em toda a cadeia de valor, garantindo que a riqueza extraída do solo brasileiro beneficie primeiramente o desenvolvimento nacional e a defesa.
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Espera-se que Serra Verde produza pelo menos 5.000 toneladas (t) de óxido de terras raras anualmente. Crédito: Serra Verde. |
Futuro da defesa com terras raras
As perspectivas para a defesa nacional brasileira estão diretamente ligadas à capacidade do País de transformar suas reservas em produtos de alto valor agregado. A demanda por equipamentos militares mais leves, eficientes e de alto desempenho continuará a crescer. Investimentos em infraestrutura, capacitação de mão de obra e políticas públicas que conciliem desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental serão fundamentais para que o Brasil não apenas utilize esses recursos para sua própria segurança, mas também se posicione como um fornecedor estratégico e confiável no cenário global.
Nióbio e grafeno: outros pilares da defesa nacional
Além
das terras raras, o Brasil possui outras riquezas minerais que são
igualmente estratégicas para a defesa nacional: o nióbio e o grafeno. O
país detém as maiores reservas mundiais de nióbio, sendo o principal
produtor global, com cerca de 98% das reservas globais. Este metal é
fundamental para a produção de ligas metálicas de alta resistência e
leveza, essenciais na indústria aeroespacial e de defesa. O nióbio é
empregado em componentes de aeronaves, mísseis, veículos blindados e
navios, onde a redução de peso e o aumento da durabilidade são cruciais
para o desempenho e a segurança. Sua capacidade de formar superligas o
torna indispensável para motores a jato e turbinas, que operam em
condições extremas, e também é usado em supercondutores e na indústria
de inteligência artificial e armamentos avançados.
Já o grafeno,
derivado do grafite (mineral abundante no Brasil, que possui a segunda
maior reserva mundial e é o terceiro em reservas, com cerca de 22% das
reservas globais de grafite), é considerado o "material do futuro"
devido às suas propriedades extraordinárias: é o material mais fino,
mais forte e mais condutor de eletricidade e calor conhecido, sendo 200
vezes mais forte que o aço. Na defesa, o grafeno promete revolucionar
diversas áreas: desde o desenvolvimento de armaduras mais leves e
resistentes, passando por sensores ultrassensíveis para detecção de
ameaças, até a criação de eletrônicos flexíveis e transparentes para
equipamentos de comunicação e visão. Sua aplicação em baterias e
supercapacitores pode aumentar significativamente a autonomia de drones e
veículos militares.
O domínio da cadeia de valor do nióbio e o
investimento em pesquisa e desenvolvimento de grafeno são, portanto,
cruciais para que o Brasil não apenas fortaleça sua indústria de defesa,
mas também se posicione na vanguarda da inovação tecnológica militar
global.
A encruzilhada geopolítica: China, EUA e Brasil
O Brasil se encontra em uma posição delicada, mas também privilegiada. O interesse dos EUA pode abrir portas para investimentos e mercados, aliviando pressões comerciais. Contudo, a China permanece o principal destino das exportações minerais brasileiras, e manter boas relações com Pequim é crucial para a balança comercial. A decisão do governo brasileiro exigirá habilidade diplomática para negociar com ambas as potências, sem comprometer a soberania nacional ou os laços comerciais já estabelecidos.
Oportunidade histórica
As terras raras, o nióbio e o grafeno representam uma oportunidade histórica para o Brasil. A transição de um mero detentor de reservas para um ator relevante na cadeia de valor global desses minerais é um caminho complexo, mas imperativo. Superar os desafios técnicos, ambientais e sociais, e investir maciçamente em pesquisa, desenvolvimento e industrialização, permitirá ao país não apenas impulsionar sua economia, mas também fortalecer sua capacidade de defesa e consolidar sua posição como uma potência emergente no cenário geopolítico mundial.
A "corrida do ouro do século XXI" está em seu auge, e o Brasil tem em mãos um dos maiores tesouros para moldar seu próprio destino.
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