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17 maio, 2025

Oportunidades para a Base Industrial de Defesa brasileira

Instabilidade geopolítica abre oportunidades de mercado e de integração com cadeias produtivas da Europa.


*Portal FGV, por Guilherme R. Garcia Marques - 14/05/2025

A política externa errática de Donald Trump, com toda a incerteza e instabilidade geradas, prometem deixar marcas profundas. Na Europa, o recado foi enfático: não dá mais para depender integralmente dos Estados Unidos em temas sensíveis como defesa e segurança. A resposta veio na forma de um plano de 800 bilhões de euros em investimentos visando reestruturar as capacidades militares do continente.

Em meio a este novo contexto, emerge uma oportunidade singular para o Brasil, especialmente para a sua Base Industrial de Defesa – setor historicamente relegado no debate econômico, mas com potencial significativo de geração de valor, emprego qualificado e inovação tecnológica.

Nos bastidores dessa mudança, o que está em jogo é mais do que a compra e venda de armamentos. O mundo passa por uma profunda reorganização das cadeias produtivas. Não se trata de apregoar um pretenso fim da globalização, mas sim de enxergar sua remodelagem: países estão redesenhando suas redes de produção privilegiando alianças confiáveis e políticas industriais orientadas por objetivos de segurança – ainda que isso signifique pagar mais caro.

Nesse novo mapa, o Brasil tem o que oferecer. A Embraer, com seu cargueiro KC-390, amplamente reconhecido por sua inovação e eficiência operacional, tem alcançado expressivos resultados a nível de comercialização, sendo encomendado por países como Portugal, Áustria, Hungria, Holanda, República Tcheca, Coreia do Sul e, mais recentemente, Suécia – com outras oportunidades de negócios se apresentando no radar. A Akaer, outra emblemática representante do setor aeroespacial brasileiro, vem se consolidando no fornecimento de componentes de engenharia avançada junto a importantes programas europeus de defesa, a exemplo do caça sueco Gripen, do Airbus A400M e, mais recentemente, do LUS-222, aeronave regional leve para uso dual desenvolvida pela empresa portuguesa EEA Aircraft and Maintenance. Paralelamente, integra também outros projetos de aviação civil, reforçando suas capacidades tecnológicas e produtivas enquanto agrega valor e expertise ao setor aeroespacial nacional.

Importante destacar que a integração junto às cadeias globais de produção é um vetor fundamental para a nossa indústria aeronáutica, com níveis de importação de bens intermediários e serviços equivalendo a 60% do total de exportações realizadas.

Outras empresas da Base Industrial de Defesa que se destacam são a Taurus e a CBC, tradicionais no ramo de armas leves (e no caso da CBC, também de munições). Ambas possuem atuação global e firmaram importantes acordos estratégicos na Europa, despontando como mais um exemplo da capacidade de inserção de produtos brasileiros em exigentes mercados externos.

Temos, portanto, produtos e competências internacionalmente reconhecidos. E uma janela rara de oportunidades para potencializá-los.  

A materialização dessas oportunidades em resultados concretos não se realizará por mera espontaneidade. É preciso criar condições para que nossas empresas ampliem suas exportações, inovem e conquistem novos mercados. Linhas de crédito competitivas, financiamentos à exportação, apoio à certificação de produtos, simplificação de processos burocráticos, maior segurança jurídica e o combate à entraves logísticos e tributários são medidas tão elementares quanto urgentes. Fundamental também é implementar, junto a estes instrumentos de fomento, robustos mecanismos de monitoramento e avaliação de resultados em termos de curva de aprendizagem e ganhos de produtividade no nível das empresas, prevenindo, assim, a incorrência de erros de política industrial tão comuns no Brasil.

Outro ponto essencial: a política externa. Precisamos de uma postura mais afirmativa na promoção de nossas capacidades industriais de defesa. Neste aspecto, o estabelecimento do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia – cada vez mais visto como necessário diante do atual cenário de incerteza – pode se converter em uma chance de ouro para o aprofundamento de parcerias industriais, transferências de tecnologia e integração produtiva. A Europa busca hoje parceiros confiáveis, capazes de se integrarem a uma lógica de segurança coletiva. O Brasil, com sua expertise e pragmatismo, pode desempenhar esse papel, diversificando mercados e fornecedores.

Neste mundo em transição, segurança e economia andam de mãos dadas. Em vez de tratar a defesa como tema restrito às áreas militares, é hora de encará-la como vetor de desenvolvimento nacional, inovação e inserção internacional.

A nova ordem internacional favorecerá quem compreender essa lógica. A janela de oportunidade está aberta e o Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçá-la. 

*Guilherme R. Garcia Marques é professor, pesquisador e consultor da Fundação Getulio Vargas. Doutor pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) na linha de pesquisa de "Gestão de Defesa: Políticas Públicas, Economia e Indústria.

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