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10 agosto, 2025

Aliança Brasil-Emirados-Turquia: a engenharia por trás do míssil MANSUP e uma nova geopolítica da defesa



*LRCA Defense Consulting - 10/08/2025

O desenvolvimento dos mísseis antinavio MANSUP e MANSUP-ER representa um marco significativo na cooperação internacional em projetos de defesa, unindo expertise tecnológica de três nações: Brasil, Emirados Árabes Unidos e Turquia. Esta parceria, liderada pela SIATT (Brasil) e pelo Grupo EDGE (Emirados Árabes Unidos), com participação crucial de empresas turcas, ilustra uma nova dinâmica geopolítica no setor de defesa global e representa um salto de soberania para a Marinha do Brasil. 

Os mísseis MANSUP (Míssil Antinavio de Superfície) e sua versão de alcance estendido MANSUP-ER são sistemas de armas de última geração projetados para neutralizar ameaças navais, representando um salto tecnológico significativo para as capacidades defensivas regionais. A participação turca neste projeto não apenas demonstra a crescente influência da indústria de defesa turca, mas também estabelece novos paradigmas de cooperação Sul-Sul em tecnologias militares avançadas. 

A costura desse arranjo trilateral não trata de uma simples compra de equipamentos, mas de uma complexa teia de transferência de tecnologia e cooperação industrial que desafia a dependência de fornecedores tradicionais do Hemisfério Norte e sinaliza a ascensão de novas potências na indústria de defesa.

Contribuições tecnológicas das empresas turcas
O sucesso de um míssil moderno reside em seus subsistemas críticos. Nesse ponto, a expertise da indústria turca se tornou fundamental para o avanço do programa MANSUP, com duas empresas se destacando.

Kale Jet Engines: o coração propulsor
A Kale Jet Engines, subsidiária do poderoso Grupo Kale (em operação desde 1957), emerge como protagonista central desta cooperação. Durante a Feira LAAD Defence & Security, realizada no Brasil, foi assinado um acordo histórico para o fornecimento do motor turbojato KTJ-3200 para o míssil MANSUP-ER. 

O KTJ-3200 representa um marco tecnológico significativo: 
- Primeiro motor turbojato para mísseis totalmente desenvolvido na Turquia;
- Baixo consumo específico de combustível, conferindo vantagem competitiva;
- Design compacto com alta relação empuxo-peso;
- Tecnologia já validada nos mísseis anti-navio ATMACA (Roketsan) e míssil de cruzeiro SOM (TÜBİTAK-SAGE).

Esta transferência tecnológica marca a primeira exportação de motor a jato da Turquia, conforme destacado pelo Professor Dr. Haluk Görgün, Presidente da Secretaria das Indústrias de Defesa turca: "Este acordo não é apenas um sucesso em exportação; é também um reflexo concreto da visão da Turquia de desenvolver produtos de alto valor agregado, impulsionados por tecnologia, e de aumentar sua competitividade global." 

Repkon: expertise em sistemas de defesa
A Repkon foi contratada pelo Grupo EDGE para apoiar a produção do corpo estrutural dos mísseis. A empresa é especialista em tecnologias avançadas de conformação de metais, como o flowforming.

Utilizando essa técnica, a Repkon pode produzir componentes metálicos cilíndricos, como o casco do míssil, que são ao mesmo tempo extremamente resistentes e leves, com precisão dimensional milimétrica. Essa característica é vital para a aerodinâmica, integridade estrutural e desempenho geral do míssil durante o voo em alta velocidade e a baixas altitudes.

O fato de o contrato ser com o Grupo EDGE demonstra a intrincada estrutura do consórcio, onde o parceiro dos Emirados utiliza sua capacidade de investimento para trazer fornecedores de ponta, como a Repkon, para o projeto.

A estrutura de cooperação estabelecida segue um modelo inovador:

País/Empresa               Contribuição Principal           Tecnologia Fornecida

Brasil (SIATT)             Integração e Produção           Sistemas de integração, montagem final

Emirados (EDGE)       Financiamento e Mercado     Recursos financeiros, acesso a mercados

Turquia (Kale/Repkon) Propulsão e Componentes   Motores turbojato, conformação de metais

A arquitetura da parceria: acordos e transferência de tecnologia
A colaboração não surgiu ao acaso, mas foi construída sobre acordos estratégicos que visam benefícios mútuos e de longo prazo. O modelo de negócio estabelecido entre SIATT, EDGE e os parceiros turcos vai além da simples aquisição. Ele prevê: 

- Desenvolvimento conjunto: as partes trabalham de forma integrada. A SIATT, como herdeira do projeto original da Marinha do Brasil, lidera a integração dos sistemas. O Grupo EDGE fornece o capital e o alcance de mercado. As empresas turcas entregam os subsistemas críticos.

- Transferência de tecnologia (ToT): um dos pilares do acordo com a Kale, por exemplo, é a transferência gradual de tecnologia. O objetivo para o Brasil é, no futuro, absorver o conhecimento para permitir a manutenção, a montagem e, eventualmente, a produção licenciada do motor no país, garantindo a autonomia estratégica e o domínio do ciclo de vida do armamento.

- Cooperação industrial: A parceria com a Repkon também abre portas para que a indústria brasileira tenha acesso a processos de fabricação avançados, fortalecendo a Base Industrial de Defesa (BID) como um todo.

Os acordos estabelecidos seguem princípios de:
- Cooperação de longo prazo com bases sólidas para desenvolvimento futuro;
- Transferência tecnológica bilateral permitindo aprendizado mútuo;
- Nacionalização gradual de componentes críticos;
- Acesso compartilhado a mercados regionais e globais.

Implicações geopolíticas e estratégicas: reconfiguração do mapa da defesa
A participação turca no projeto MANSUP reverbera muito além das fábricas, redesenhando alianças e balanças de poder. 

- Para o Brasil: o principal ganho é a soberania. Ao diversificar seus parceiros e internalizar tecnologias sensíveis, o país reduz sua dependência histórica de fornecedores europeus e norte-americanos. O MANSUP capacita a Marinha do Brasil com uma ferramenta de negação de uso do mar de última geração e transforma o Brasil em um potencial exportador de mísseis antinavio, competindo em um mercado de alto valor.

- Para a Turquia: a exportação do motor KTJ-3200 é uma vitória geopolítica. Ela solidifica a posição da Turquia como um ator autônomo e um fornecedor confiável de tecnologia de defesa avançada para nações do Sul Global, abrindo o estratégico mercado latino-americano.

- Para a dinâmica global: a aliança Brasil-Emirados-Turquia é um exemplo paradigmático da multipolaridade no setor de defesa. Ela demonstra que nações emergentes podem colaborar para desenvolver sistemas de armas complexos sem a tutela das potências tradicionais, criando novos eixos de influência e desafiando o status quo do mercado de armamentos.

Assim, a cooperação turco-brasileira-emiradense em mísseis antinavio introduz novos elementos na geopolítica regional:

Dimensão Global:
- Redução da dependência de fornecedores tradicionais (EUA, Europa, Rússia);
- Emergência de um eixo tecnológico Sul-Sul;
- Fortalecimento da autonomia estratégica dos países envolvidos.

Impacto naval:
- Aumento das capacidades de negação de área (A2/AD);
- Reequilíbrio das forças navais regionais;
- Potencial alteração das dinâmicas de segurança marítima.

Consequências e precedentes para a cooperação militar
- Modelo replicável: outros projetos de defesa podem seguir estrutura similar;
- Diversificação de parcerias: redução da dependência de fornecedores únicos;
- Capacitação industrial: desenvolvimento de capacidades nacionais em todos os países envolvidos.

Análise geopolítica
Especialistas em defesa apontam que esta cooperação representa:
- Multipolarização do setor de defesa global;
- Emergência de novos centros de inovação militar;
- Redefinição de alianças estratégicas tradicionais.

O Prof. Dr. Haluk Görgün enfatiza a importância estratégica: "A indústria de defesa turca não está mais apenas atendendo às suas próprias necessidades, mas agora atingiu um estágio em que fornece sistemas de tecnologia avançada para países aliados e amigos."

Desafios e oportunidades
Entre os desafios identificados estão:
- Coordenação técnica entre diferentes padrões industriais;
- Harmonização regulatória entre jurisdições distintas;
- Gestão de propriedade intelectual em projetos colaborativos;
- Sincronização de cronogramas de desenvolvimento.

As oportunidades futuras incluem:
- Expansão para outros sistemas de armas;
- Desenvolvimento de variantes especializadas;
- Acesso a novos mercados internacionais;
- Criação de cadeia de suprimentos regional integrada.

Um novo paradigma em cooperação de defesa
A participação turca nos projetos MANSUP e MANSUP-ER transcende uma simples transação comercial, representando a emergência de um novo paradigma de cooperação internacional em defesa. A contribuição da Kale Jet Engines com o motor KTJ-3200 e o envolvimento da Repkon demonstram a maturidade tecnológica da indústria de defesa turca e sua capacidade de competir globalmente.

Esta cooperação trilateral estabelece importantes precedentes:
- Viabilidade de parcerias Sul-Sul em tecnologias avançadas 
- Potencial de diversificação das cadeias de suprimento de defesa
- Emergência de novos polos de inovação militar

Salto para o futuro
O desenvolvimento dos mísseis MANSUP e MANSUP-ER, impulsionado pela expertise turca e pelo capital dos Emirados, é um divisor de águas para a indústria de defesa brasileira. A colaboração não apenas acelera a entrega de uma capacidade estratégica vital para a Marinha do Brasil, mas também injeta conhecimento, tecnologia e processos industriais avançados na base produtiva nacional.

O sucesso desta empreitada trilateral poderá servir de modelo para futuros projetos de defesa, consolidando um eixo de cooperação tecnológica entre nações do Sul Global. As implicações estratégicas se estendem além dos aspectos puramente militares, influenciando dinâmicas geopolíticas regionais e globais. O sucesso desta cooperação pode catalisar novos projetos colaborativos, redefinindo o mapa da indústria de defesa mundial.

As perspectivas são de que, com a maturação do projeto, o Brasil não só alcance a autossuficiência em mísseis antinavio, mas também se posicione como um player relevante no competitivo cenário internacional, fortalecendo sua autonomia estratégica e sua influência geopolítica.

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