*LRCA Defense Consulting - 19/12/2025 (atualizado às 20horas)
Em um movimento que consolida o Brasil no seleto grupo de nações com domínio sobre tecnologia hipersônica, o Instituto de Estudos Avançados (IEAv) e a empresa brasileira Mac Jee formalizaram, nesta quarta-feira (18), uma parceria estratégica para impulsionar o desenvolvimento do Projeto PropHiper 14-X. O acordo, publicado no Diário Oficial da União em 16 de dezembro, representa um marco na integração entre pesquisa militar e indústria nacional no setor aeroespacial.
A cooperação, com vigência de 36 meses, reunirá cerca de 40 engenheiros e cientistas dedicados ao desenvolvimento do sistema de propulsão hipersônica mais ambicioso já conduzido no país. O foco central do trabalho conjunto será o desenvolvimento do RATO-14X (Rocket Assisted Take-Off), o foguete acelerador que levará o veículo hipersônico 14-X às condições ideais para o início de seus testes em voo.
Um projeto de décadas
O Projeto PropHiper teve início em 2006 com a missão de desenvolver tecnologias críticas para o domínio da propulsão hipersônica aspirada, incluindo o motor scramjet e o veículo hipersônico 14-X em configuração waverider. Desde então, o Brasil investiu na construção de laboratórios de ensaios hipersônicos no IEAv/ITA, referência regional na América Latina, e na capacitação de recursos humanos especializados.
Em dezembro de 2021, o demonstrador 14-X S alcançou velocidade próxima a Mach 6 em seu primeiro teste de voo, na Operação Cruzeiro em Alcântara, validando condições de partida e combustão do scramjet em ambiente relevante. Isso posicionou o Brasil entre os poucos países capazes de ensaiar tecnologias hipersônicas aspiradas em condições reais.
Atualmente, o projeto avança para etapas subsequentes, como a configuração 14-X SP, na qual o motor scramjet deverá efetivamente propelir um veículo hipersônico em ensaios planejados.
Desafio técnico e parceria
O grande desafio técnico que motivou a parceria é o desenvolvimento de um novo veículo acelerador, pois o 14-X SP é mais pesado que a capacidade máxima do VSB-30, foguete usado no primeiro teste de 2021. É aí que entra o RATO-14X, desenvolvido pela Mac Jee após vencer edital da FINEP, com apoio do DCTA/FAB e FNDCT.
Funcionamento do RATO-14X
O foguete aeroespacial transportará o veículo hipersônico 14-X entre 30 e 40 km de altitude na atmosfera superior, alcançando velocidades acima de Mach 8 (aproximadamente 8.500 km/h ou mais). Nesse ponto, o motor scramjet do 14-X, que precisa de velocidades extremamente altas para funcionar, será acionado e o veículo seguirá sua trajetória de forma autônoma.
Sinergia público-privada
A parceria estabelece uma divisão estratégica de competências. O IEAv,
organização militar vinculada ao Departamento de Ciência e Tecnologia
Aeroespacial (DCTA), apoiará a Mac Jee na realização de simulações e análises
aerotermodinâmicas de alta complexidade, aproveitando sua expertise consolidada
em hipersônica.
Em contrapartida, a Mac Jee disponibilizará equipamentos, serviços e insumos que ampliarão a infraestrutura do IEAv, fortalecendo sua capacidade de desenvolver tecnologias e conhecimentos na área. "A parceria com o IEAv acelera a maturação de capacidades nacionais em propulsão hipersônica e contribui para a preparação do sistema integrado e da campanha de testes do PROPHIPER 14-X", destacou Simon Jeannot, chairman do Grupo Mac Jee.
Mac Jee: de startup à protagonista aeroespacial
Fundada em 2007, a Mac Jee iniciou operações com distribuição de
componentes militares importados e, ao longo de 18 anos, tornou-se uma das
principais empresas da Base Industrial de Defesa brasileira. Nos últimos quatro
anos, investiu R$ 120 milhões na construção de duas fábricas em São José dos
Campos e Paraibuna, tornando-se a empresa com maior capacidade de produção e
armazenamento de materiais energéticos do Hemisfério.
Mais de 500 profissionais estarão envolvidos no projeto, desde o detalhamento dos requisitos técnicos até o lançamento do foguete, previsto para o final de 2027, no Centro Espacial de Alcântara. A empresa também firmou parcerias com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e diversos fornecedores do ecossistema aeroespacial.
Rumo à soberania tecnológica
Para o Coronel Aviador Charlon, Diretor do IEAv, "o acordo fortalece a
pesquisa aplicada e a integração tecnológica necessárias aos ensaios em voo do
14-X, somando competências do IEAv e da indústria com foco em resultados
diretamente ligados ao aumento da capacidade aeroespacial brasileira."
Após a conclusão do Projeto PropHiper, a sociedade brasileira poderá usar a tecnologia hipersônica aspirada para desenvolver diversos novos produtos, mas o maior potencial e objetivo atual é desenvolver uma maneira mais eficiente, econômica e segura de acesso ao espaço.
O projeto prevê quatro fases principais, culminando no 14-XWP: um veículo hipersônico autônomo, totalmente controlável e manobrável com propulsão hipersônica ativa. Se bem-sucedido, o Brasil se juntará aos Estados Unidos, China, Rússia, França, Japão e Austrália no grupo de países com domínio completo sobre essa tecnologia estratégica.
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| Concepção artística do 14-X em órbita |
A dimensão estratégica: tecnologia hipersônica e defesa
nacional
O domínio da tecnologia hipersônica representa muito mais do
que um avanço científico, sendo fundamental para a manutenção da soberania
nacional, colocando o Brasil em posição de enfrentar os desafios geopolíticos
do século XXI.
Armas hipersônicas, capazes de superar Mach 5 e realizar manobras imprevisíveis, dificultam sua interceptação por sistemas defensivos convencionais. Atualmente, apenas Estados Unidos, China e Rússia operam sistemas hipersônicos militares em escala, com mísseis que podem manobrar durante o voo, tornando sua interceptação extremamente difícil.
O Projeto PropHiper 14-X, embora tenha como foco primário garantir o domínio da tecnologia do motor scramjet, estabelece as bases tecnológicas que poderão, no futuro, ser aplicadas ao desenvolvimento de sistemas de defesa avançados. A tecnologia é considerada um dos meios mais eficientes de acesso ao espaço no futuro, podendo ser utilizada para colocar satélites em órbita e fazer voos suborbitais, mas também representa a base para eventuais sistemas de armamento de nova geração.
O domínio da tecnologia hipersônica insere o Brasil em um seleto grupo de países com capacidade de desenvolver vetores autônomos de alta velocidade, recurso que combina dissuasão, soberania e inovação. Em um cenário internacional onde o Brasil não possui meios para interceptar de forma confiável mísseis hipersônicos, desenvolver essa capacidade tecnológica torna-se um imperativo estratégico.
O Ministério da Defesa definiu sistemas de propulsão hipersônica como fundamentais para a modernização das forças armadas, incluindo a tecnologia entre as 24 áreas críticas para a autonomia nacional. O investimento no PropHiper 14-X não apenas reduz a dependência tecnológica externa, mas fortalece toda a Base Industrial de Defesa brasileira, criando capacidades que vão desde materiais resistentes a temperaturas extremas até sistemas avançados de controle e navegação.
Enquanto a Rússia desenvolveu o Kinzhal, capaz de atingir Mach 12, e a China apresentou o DF-17, o Brasil traça seu próprio caminho. O objetivo atual é o desenvolvimento tecnológico e científico, mas as aplicações futuras dessa expertise podem incluir desde lançadores espaciais mais eficientes até sistemas de defesa que garantam a proteção do território nacional contra novas ameaças hipersônicas que já são realidade em outros continentes.
A parceria entre IEAv e Mac Jee, portanto, transcende o âmbito puramente científico: em uma característica dual, é um investimento estratégico na soberania tecnológica brasileira e na capacidade de o país responder aos desafios de segurança e defesa nas próximas décadas.


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