Fabricante brasileira aposta em parcerias estratégicas no Oriente Médio e Europa Oriental para consolidar aeronave de transporte militar
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| KC-390 sobre a Polônia: imagem representativa |
*LRCA Defense Consulting - 03/12/2025
O mercado global de defesa está em constante transformação, impulsionado pela necessidade de modernização das frotas e pela busca por soluções eficientes e adaptáveis aos desafios contemporâneos. A Polônia, em meio a um cenário geopolítico complexo, tem acelerado seus investimentos em defesa, com a meta de destinar 4,8% do seu Produto Interno Bruto (PIB) ao setor até 2026. Essa iniciativa inclui a renovação de sua capacidade de transporte aéreo médio através do programa "Drop", buscando substituir os veteranos C-130 Hercules.
Paralelamente, os Emirados Árabes Unidos almejam solidificar sua posição como um hub de carga militar e aviação de defesa na região do Golfo. A busca por aeronaves modernas e a capacidade de manutenção local são cruciais para essa ambição
Com foco nessas oportunidades, a Embraer está intensificando sua estratégia de internacionalização do KC-390 Millennium em duas frentes simultâneas que podem representar um salto qualitativo para a aviação de defesa brasileira: enquanto nos Emirados Árabes Unidos a empresa firma acordos para serviços de manutenção e suporte, na Polônia avançam planos ambiciosos para transformar o país em um centro de excelência europeu, com investimentos estimados em US$ 3 bilhões e a possível instalação de uma linha de montagem final da aeronave.
Os movimentos revelam uma abordagem sofisticada da fabricante brasileira, que busca não apenas vender aeronaves, mas criar ecossistemas industriais completos em regiões estratégicas, assegurando presença de longo prazo e abrindo portas para vendas futuras.
Emirados Árabes: a porta de entrada no Oriente Médio
Em novembro de 2025, durante o Dubai Airshow, a Embraer deu
passos concretos para estabelecer presença nos Emirados Árabes Unidos ao firmar
Memorandos de Entendimento com duas empresas locais de peso: a AMMROC (Advanced
Military Maintenance, Repair and Overhaul Center) e a GAL (Gulf Aircraft
Maintenance). Os acordos focam em serviços de manutenção, reparo, revisão e
treinamento para o KC-390 Millennium, além de cooperação ao longo de todo o
ciclo de vida da aeronave.
A escolha dos parceiros não é casual. A AMMROC é referência regional em serviços MRO para aviação militar, sendo o único Centro autorizado pela Lockheed Martin para o C-130 Hercules na região, justamente a aeronave que o KC-390 pretende substituir. Já a GAL possui mais de 5.000 funcionários de 71 nacionalidades e é a principal fornecedora de serviços do Ministério da Defesa dos Emirados.
"Esses acordos representam muito mais do que contratos de manutenção", analisa um especialista em defesa que preferiu não se identificar. "A Embraer está estabelecendo infraestrutura crítica que facilita a decisão de compra. Quando você tem MRO local, o custo operacional cai significativamente e a disponibilidade da aeronave aumenta."
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| KC-390 sobre os EAU: imagem representativa |
A janela de oportunidade
O timing dos acordos é estratégico. A Força Aérea dos
Emirados Árabes Unidos opera atualmente 8 aviões C-130H/L-100 Hercules
fabricados entre as décadas de 1970 e 1980, que se aproximam rapidamente do fim
de sua vida útil. A necessidade de substituição é iminente, e o KC-390 oferece
vantagens técnicas consideráveis sobre o veterano americano.
O KC-390 é mais rápido, com velocidade máxima de 870 km/h contra 540 km/h do C-130H, possui maior capacidade de carga em certas configurações e incorpora tecnologia moderna de aviônica e sistemas. Para um país com vastos recursos petrolíferos e histórico de investimentos robustos em equipamentos militares de última geração, a proposta brasileira chega em momento oportuno.
"O KC-390 atende à demanda dos Emirados por aeronaves de transporte tático modernas", explica Francisco Lemos, vice-presidente de vendas da Embraer. "É uma plataforma mais versátil e eficiente que o C-130 Hercules, com capacidade para operar em ambientes desafiadores como os do Oriente Médio."
Bosco da Costa Junior, presidente e CEO da Embraer Defesa
& Segurança, ressaltou que a cooperação faz parte do “DNA” da Embraer e que
a empresa vem construindo um ecossistema industrial na Europa e em outras
regiões do mundo. Um ponto chave dessa estratégia é a decisão da Embraer de
priorizar os Emirados Árabes Unidos para sediar um futuro "completion
center" do C-390, focado na montagem final, customizações e suporte
regional. Essa escolha representa uma consolidação dos laços com Abu Dhabi e um
reposicionamento estratégico do cargueiro brasileiro no tabuleiro regional,
ampliando a presença industrial da Embraer e abrindo portas para novas
exportações em um mercado altamente disputado.
Obstáculos no deserto
Apesar do otimismo, a Embraer enfrenta desafios
significativos nos Emirados. O principal é a ausência de tradição de compra de
equipamento militar brasileiro. Historicamente, os Emirados Árabes Unidos
privilegiam fornecedores americanos e europeus, particularmente em equipamentos
estratégicos.
A competição com a Lockheed Martin, fabricante do C-130J Super Hercules (versão moderna do Hercules), é feroz. A empresa americana detém relacionamento consolidado com as Forças Armadas emiráticas e pode oferecer pacotes integrados com outros sistemas de defesa já em operação no país.
Além disso, até o momento, os acordos firmados não se traduziram em pedidos firmes de aeronaves e permanecem no nível de Memorandos de Entendimento, que estabelecem intenções, mas não garantem contratos comerciais.
Analistas estimam entre 60% e 70% a probabilidade de uma venda efetiva do KC-390 aos Emirados nos próximos 24 a 36 meses, condicionada à capacidade da Embraer de transformar os acordos de MRO em relacionamento comercial mais profundo.
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| KC-390 sobre a Polônia: imagem representativa |
Polônia: o centro de excelência europeu
Se nos Emirados a estratégia é cautelosa e incremental, na
Polônia a Embraer aposta alto. Em março de 2025, a empresa anunciou planos de
transformar o país em seu centro de excelência na Europa, com investimentos
estimados em US$ 3 bilhões ao longo de 10 anos e a criação de 5 mil empregos
diretos e indiretos.
Os números impressionam, mas refletem a ambição do projeto: a Embraer busca parceiros para estabelecer uma linha de produção final do KC-390 em solo polonês, estimando investimento inicial de US$ 1 bilhão e 600 empregos só nessa fase. Seria a primeira linha de montagem da aeronave fora do Brasil.
"A Polônia é vista como parceiro estratégico ideal", afirma Frederico Lemos, executivo da Embraer responsável pelas negociações. "Tem localização perfeita para uma linha de produção na Europa, com 42% da cadeia de suprimentos do KC-390 já originada na União Europeia."
Um mercado em plena expansão
A aposta polonesa se fundamenta em dados concretos. A
Polônia opera atualmente uma frota envelhecida de C-130E e C-130H Hercules, e
embora vá receber mais 5 aeronaves usadas dos estoques americanos, a
necessidade de modernização permanece crítica — especialmente após a invasão
russa da Ucrânia, que elevou dramaticamente as preocupações de segurança em
toda a Europa Oriental.
O Ministro da Defesa brasileiro, José Múcio, confirmou publicamente que o Brasil está em negociações com a Polônia para possível aquisição do KC-390. Uma venda polonesa seria duplamente estratégica: além da receita direta, validaria ainda mais a aeronave no exigente mercado da OTAN e abriria caminho para vendas em cascata a outros países do bloco.
E o mercado potencial é considerável. Áustria, Holanda, Suécia, República Tcheca, Eslováquia e Lituânia já demonstraram interesse ou anunciaram intenção de compra do KC-390. A instalação de uma linha de montagem no coração da Europa reduziria custos logísticos, facilitaria a manutenção e fortaleceria o argumento de "compre europeu", ainda que o projeto seja brasileiro.
"Para viabilizar a linha de montagem final, procuramos algo em torno de 20 aviões, que seria um bom número", explica Lemos. A Polônia sozinha poderia encomendar entre 8 e 12 aeronaves, com o restante vindo de outros países europeus.
A capacidade estratégica que falta
Um dos argumentos mais fortes da Embraer na Polônia é único:
o KC-390 fornecerá, pela primeira vez, capacidade de reabastecimento aéreo
independente ao país. Atualmente, a Polônia depende completamente de aeronaves
de outros países da OTAN para essa missão crítica, que permite estender o
alcance e o tempo de voo de caças e outras aeronaves militares.
Para uma nação de fronteira com a Ucrânia e crescentemente preocupada com a postura russa, a autonomia em reabastecimento aéreo representa ganho estratégico significativo. O KC-390 foi projetado desde o início com essa capacidade, utilizando o sistema probe-and-drogue (sonda e cesto).
O desafio técnico e as tensões políticas
Mas há um problema técnico que precisa ser resolvido. Os
principais caças poloneses — os atuais F-16 e os futuros F-35 Lightning II —
utilizam o sistema de reabastecimento flying boom (lança voadora), incompatível
com o sistema padrão do KC-390. A Embraer terá que desenvolver ou integrar essa
capacidade se quiser atender plenamente às necessidades polonesas.
"É um desafio de engenharia, não um obstáculo intransponível", pondera um engenheiro aeronáutico consultado. "O C-130 já foi adaptado para ambos os sistemas. A questão é quanto custará e quanto tempo levará o desenvolvimento."
Além do aspecto técnico, há tensões políticas. As relações entre os governos brasileiro e polonês atravessam momento delicado, com divergências em temas de política externa e direitos humanos. Embora negociações militares geralmente transcendam questões políticas momentâneas, o clima pode afetar o timing das decisões.
Para além das aeronaves
O projeto polonês vai muito além da linha de montagem do
KC-390. A Embraer planeja instalar também um centro de revisão de trens de
pouso para os jatos comerciais E-Jets E2 e um centro de conversão de aeronaves
E190 em cargueiros — projetos que, somados, representam investimentos
adicionais e centenas de empregos.
Em março de 2025, a empresa também assinou Memorando de Entendimento com o Instituto de Aviação Łukasiewicz para colaboração em tecnologias de voo do futuro, incluindo propulsão elétrica e híbrida, demonstrando intenção de relacionamento de longo prazo que transcende projetos específicos.
Os números já começam a aparecer. Em 2024, negócios entre a Embraer e fornecedores poloneses movimentaram US$ 30 milhões e geraram 1.350 empregos. São valores ainda modestos diante do potencial, mas indicam momentum crescente.
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| KC-390 sobre a Polônia: imagem representativa |
Duas estratégias, um objetivo
Emirados Árabes Unidos e Polônia representam abordagens
diferentes para o mesmo objetivo: consolidar o KC-390 Millennium como
alternativa global ao C-130 Hercules e estabelecer a Embraer como player
relevante no competitivo mercado de aeronaves militares de transporte.
Nos Emirados, a estratégia é de penetração cautelosa através de serviços, construindo relacionamento e demonstrando capacidades antes de buscar vendas diretas. Na Polônia, a aposta é ousada e estruturante, visando criar presença industrial permanente que transforme o país em plataforma de expansão europeia.
"São estratégias complementares", analisa um consultor de defesa. "No Oriente Médio, você precisa provar valor antes de vender. Na Europa, especialmente após a guerra na Ucrânia, há urgência e abertura para alternativas aos fornecedores tradicionais. A Embraer está aproveitando as janelas de oportunidade em cada região."
Os próximos 12 a 24 meses serão decisivos. Nos Emirados, a conversão dos Memorandos de Entendimento em contratos comerciais de MRO indicará se a estratégia de penetração está funcionando. Na Polônia, espera-se uma decisão de compra do KC-390 que viabilize ou não os planos de linha de montagem.
O grande salto da Embraer pode estar próximo
Para a indústria aeroespacial brasileira, está em jogo muito
mais que contratos individuais. O sucesso dessas iniciativas pode posicionar o
Brasil definitivamente como fornecedor global de equipamentos militares de alta
tecnologia, quebrando décadas de domínio americano e europeu em mercados
estratégicos.
A Embraer, que começou há mais de cinco décadas como fabricante de pequenos aviões regionais, pode estar às vésperas de seu maior salto: tornar-se uma das principais empresas globais de aviação militar. O KC-390 Millennium é a aeronave que pode viabilizar essa transformação se os acordos nos Emirados e na Polônia se concretizarem.




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