Parceria entre subsidiária da Embraer e empresa da Boeing apresenta roteiro para integrar táxis aéreos elétricos ao espaço aéreo global
*LRCA Defense Consulting - 10/12/2025
Em um momento decisivo para o futuro da aviação urbana, a Eve Air Mobility, subsidiária da brasileira Embraer, e a SkyGrid, empresa da Boeing especializada em gestão de tráfego aéreo, lançaram um white paper conjunto que estabelece as diretrizes para a integração segura e escalável de veículos elétricos de decolagem e pouso vertical (eVTOLs) no espaço aéreo global.
O documento de 17 páginas, intitulado "Habilitando a Mobilidade Aérea Avançada – Serviços Automatizados de Gestão de Tráfego para Operações em Baixa Altitude", foi apresentado durante a conferência CANSO Airspace Asia Pacific 2025, realizada esta semana no AsiaWorld-Expo, em Hong Kong. O evento inaugural reuniu mais de 100 expositores e líderes da aviação de toda a região Ásia-Pacífico.
A promessa dos táxis voadores
A mobilidade aérea avançada (AAM, na sigla em inglês)
promete revolucionar a forma como pessoas e mercadorias se deslocam nas grandes
cidades. Com aeronaves elétricas capazes de decolar e pousar verticalmente,
como helicópteros, mas silenciosas, sustentáveis e mais eficientes, os eVTOLs
surgem como alternativa ao congestionamento urbano crescente.
De acordo com as projeções da Eve, a região Ásia-Pacífico deverá representar 41% da frota mundial de eVTOLs até 2045, com mais de 12.200 aeronaves em operação. Este crescimento será impulsionado pela rápida urbanização, pelo aumento da classe média e pelo congestionamento nas maiores cidades do mundo.
"Publicar este documento no Airspace Asia Pacific representa um momento crucial para o futuro da aviação", afirmou Luiz Mauad, vice-presidente de serviços ao cliente da Eve. "Nossa visão é garantir que a mobilidade aérea avançada não seja apenas possível, mas escalável, segura e sustentável. A Ásia-Pacífico, em particular, apresenta uma oportunidade extraordinária para liderar esta transformação, dada sua velocidade de urbanização e demanda por novas soluções de mobilidade."
Os desafios da integração
O white paper aborda os desafios operacionais e regulatórios
da integração de eVTOLs altamente automatizados e outras aeronaves novas no
espaço aéreo urbano e regional. Um dos principais obstáculos é fazer com que
esses veículos operem de forma segura ao lado da aviação convencional, sem
sobrecarregar controladores de tráfego aéreo ou a infraestrutura existente.
A solução proposta passa pela automação e pela gestão digital do tráfego. Segundo o documento, serviços automatizados de gerenciamento de tráfego aumentarão a previsibilidade, capacidade e flexibilidade nos céus urbanos. Com novas tecnologias, estruturas digitais de espaço aéreo e troca de dados, os Provedores de Serviços de Navegação Aérea (ANSPs) poderão suportar grandes volumes de tráfego em baixa altitude.
"A SkyGrid tem orgulho de trabalhar com a Eve traçando um caminho claro em direção à gestão automatizada de tráfego em baixa altitude", declarou Nate Isbell, chefe de desenvolvimento de negócios da SkyGrid. "Nossa pesquisa ressalta como automação e serviços baseados em dados podem transformar a gestão do espaço aéreo, reduzir a complexidade para reguladores e criar novas oportunidades para operadores."
A parceria estratégica
A colaboração entre Eve e SkyGrid une expertises
complementares. A Eve, que nasceu do grupo Embraer – fabricante brasileiro com
mais de 50 anos de experiência aeroespacial –, está desenvolvendo seu próprio
eVTOL com tecnologia de propulsão elétrica distribuída. A aeronave utiliza oito
rotores para voo vertical e asas fixas para o voo de cruzeiro, priorizando
segurança, eficiência e certificabilidade.
Com 2.900 pedidos confirmados de 30 clientes em 13 países, representando US$ 14,5 bilhões em receita potencial, a Eve se posiciona como uma das líderes no mercado global de eVTOLs. A empresa planeja iniciar a produção em série em 2026 em sua fábrica em Taubaté, no interior de São Paulo, e espera obter certificação da agência reguladora brasileira ANAC até o final de 2027.
Já a SkyGrid, subsidiária da Wisk Aero (empresa da Boeing), é especializada em criar infraestrutura digital para integração de aeronaves autônomas. Fundada em 2018 como joint venture entre Boeing e SparkCognition, a empresa desenvolve a plataforma AerialOS, que utiliza inteligência artificial e blockchain para gerenciar o tráfego de aeronaves não tripuladas e eVTOLs no espaço aéreo compartilhado.
Mercado em expansão explosiva
O mercado global de eVTOLs, avaliado em US$ 4,2 bilhões no
início de 2025, deve alcançar US$ 39 bilhões até 2033, representando uma taxa
de crescimento anual composta de mais de 35%. Esta expansão explosiva atrai não
apenas fabricantes aeroespaciais estabelecidos, mas também montadoras
automotivas e startups bem financiadas, cada uma perseguindo diferentes
abordagens técnicas e estratégias de mercado.
A competição é acirrada. Empresas como Joby Aviation e Archer Aviation, ambas dos Estados Unidos, também avançam no desenvolvimento de suas aeronaves elétricas. A EHang, da China, já realiza voos demonstrativos com passageiros em várias cidades chinesas. A Europa conta com players como a Lilium e a Volocopter.
Neste cenário competitivo, a Eve se diferencia pela experiência da Embraer em certificação aeronáutica e pela abordagem holística que vai além da aeronave. A empresa também está desenvolvendo soluções de gestão de tráfego aéreo urbano (Urban ATM), serviços de manutenção e uma rede global de suporte.
O contexto asiático
A escolha de Hong Kong para o lançamento do white paper não
é coincidência. A cidade, tradicional hub da aviação internacional, está
investindo fortemente na chamada "economia de baixa altitude". A
secretária de Transporte e Logística de Hong Kong, Mable Chan, anunciou durante
a conferência planos ambiciosos para integração do espaço aéreo, incluindo o
programa "Regulatory Sandbox X", que testará cenários complexos como
logística transfronteiriça e drones transportando passageiros.
A China continental também avança rapidamente. A Administração da Aviação Civil da China (CAAC) tem desenvolvido regulamentações específicas para eVTOLs e mobilidade aérea urbana. Cidades como Shenzhen e Xangai estão sendo preparadas como campos de teste para essas novas tecnologias.
"A integração entre aviação e meteorologia é essencial para garantir a segurança do espaço aéreo regional diante de padrões climáticos cada vez mais imprevisíveis", destacou Ma Bing, vice-administrador da CAAC, durante a abertura da conferência.
Infraestrutura e economia operacional
Um dos pontos críticos abordados no white paper é a
infraestrutura necessária. Os eVTOLs precisarão de vertiportos – áreas de
decolagem e pouso adaptadas – distribuídos estrategicamente pelas cidades.
Esses vertiportos deverão estar integrados aos sistemas de transporte público
existentes para viabilizar o modelo de negócio.
A economia operacional dos eVTOLs ainda é incerta até que as operações comerciais comecem. Embora prometam custos operacionais mais baixos que helicópteros devido à redução em manutenção e combustível, alcançar paridade de custos com o transporte terrestre exigirá altas taxas de utilização e preços premium.
As operações iniciais provavelmente terão como alvo viajantes corporativos e serviços de emergência, onde a economia de tempo justifica custos mais elevados. Rotas entre aeroportos e centros urbanos, ou entre bairros congestionados, são consideradas as mais viáveis inicialmente.
Desafios regulatórios
A certificação e regulamentação permanecem como desafios
significativos. Cada país tem sua própria autoridade de aviação civil e
processos de certificação. Harmonizar regulamentações internacionalmente será
fundamental para permitir operações transfronteiriças.
O white paper propõe que os ANSPs colaborem com provedores de serviços terceirizados (TSPs) como a SkyGrid para oferecer novos serviços de dados e automação. Esta abordagem distribuiria responsabilidades e permitiria escalar operações sem sobrecarregar as autoridades reguladoras.
Sustentabilidade e impacto social
Um dos atrativos principais dos eVTOLs é seu impacto
ambiental reduzido. Sendo 100% elétricos, não emitem gases poluentes durante o
voo. O eVTOL da Eve, por exemplo, oferece redução substancial de ruído durante
o voo de cruzeiro, uma preocupação importante para operações urbanas.
No entanto, críticos apontam que a pegada de carbono real dependerá da fonte de eletricidade usada para carregar as baterias. Em regiões onde a eletricidade ainda vem predominantemente de combustíveis fósseis, os benefícios ambientais seriam parciais.
Há também questões sobre equidade. Inicialmente, os eVTOLs serão serviços premium, acessíveis apenas para quem pode pagar. O desafio será democratizar o acesso ao longo do tempo, tornando a mobilidade aérea urbana uma opção viável para a população em geral.
Próximos passos
O white paper está disponível para revisão e discussão da
indústria como parte do painel CANSO "Caminho para a Mobilidade Aérea
Avançada – Lançando o AAM Regional no Futuro". Eve e SkyGrid reafirmam seu
compromisso compartilhado de trabalhar com reguladores, ANSPs e operadores para
avançar a infraestrutura digital e automação.
Para a Eve, os próximos marcos incluem a conclusão do desenvolvimento do protótipo em escala real, continuação dos testes de voo e avanço no processo de certificação. A empresa recentemente anunciou parceria com a Beta Technologies para fornecimento de motores propulsores e recebeu US$ 35 milhões adicionais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para apoiar o desenvolvimento do eVTOL em 2025.
A SkyGrid, por sua vez, continua desenvolvendo sua plataforma AerialOS e estabelecendo parcerias com diversos fabricantes de eVTOLs e autoridades de aviação ao redor do mundo.
Solução tangível para desafios reais de transporte urbano
À medida que as cidades crescem e o congestionamento se
intensifica, a mobilidade aérea avançada emerge não como ficção científica, mas
como solução tangível para desafios reais de transporte urbano. O white paper
conjunto da Eve e SkyGrid representa mais um passo importante na jornada para
transformar essa visão em realidade.
O sucesso, no entanto, dependerá de colaboração entre múltiplos stakeholders: fabricantes, operadores, reguladores, provedores de infraestrutura e governos. Como enfatizou Simon Hocquard, presidente e CEO da CANSO, durante a abertura do Airspace Asia Pacific: "Estes desafios não podem ser resolvidos dentro de fronteiras nacionais."
A próxima década será decisiva. Se os desafios técnicos, regulatórios e econômicos forem superados, os céus urbanos poderão se tornar a nova fronteira do transporte público, redefinindo como pessoas e bens se movem através de cidades e regiões em todo o mundo. E a Ásia-Pacífico, com sua densidade populacional, urbanização acelerada e disposição para inovação, está posicionada para liderar essa transformação.
Glossário:
- eVTOL: Electric Vertical Takeoff and Landing (aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical)
- AAM: Advanced Air Mobility (mobilidade aérea avançada)
- ANSP: Air Navigation Service Provider (provedor de serviços de navegação aérea)
- TSP: Third-Party Service Provider (provedor de serviços terceirizado)
- UAM: Urban Air Mobility (mobilidade aérea urbana)
- CANSO: Civil Air Navigation Services Organisation (Organização de Serviços de Navegação Aérea Civil)

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