Pesquisar este portal

29 dezembro, 2025

Polônia está vivamente de olho nas asas brasileiras: Embraer na rota da modernização militar europeia

País prepara força aérea para cenário de guerra prolongada com a Rússia e aeronaves brasileiras surgem como soluções estratégicas 

Imagem meramente ilustrativa mostrando um A-29N e um C-390 sobre Varsóvia

 *LRCA Defense Consulting - 29/12/2025

Em um hangar da Força Aérea Polonesa, o General de Divisão Ireneusz Nowak não esconde a urgência. "Talvez precisemos manter certas posições por muitos meses, ou até anos", afirma o comandante, referindo-se à nova doutrina militar do país. A guerra na Ucrânia mudou tudo. E nessa reformulação estratégica, duas aeronaves brasileiras da Embraer emergem como candidatas fortes: o cargueiro militar KC-390 Millennium e o avião de ataque leve A-29 Super Tucano.

A transformação em curso na Polônia vai muito além da compra de equipamentos. Trata-se de reconstruir toda a arquitetura do poder aéreo polonês para um cenário que ninguém na Europa imaginava possível há apenas três anos: uma guerra de alta intensidade contra uma potência militar próxima, com linhas logísticas sob pressão constante e incertezas políticas.

A lição ucraniana
A invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 expôs uma verdade brutal: superioridade aérea não significa nada sem a capacidade de sustentá-la. Aviões de combate sofisticados ficam inúteis no solo sem combustível, peças de reposição ou munição. Foi essa lição que levou Varsóvia a repensar prioridades.

"O foco não está mais apenas no combate aéreo em si, mas na capacidade de sustentá-lo em um conflito prolongado contra um adversário equiparado", explicou Nowak em entrevista à publicação especializada Defence24. Por isso, antes mesmo de adicionar novos esquadrões de caça, a Polônia está correndo para preencher lacunas críticas em transporte aéreo, reabastecimento em voo e suporte logístico.

É nesse contexto que entram as aeronaves brasileiras.

KC-390: o cargueiro tático que Varsóvia quer
O KC-390 Millennium, jato cargueiro militar desenvolvido pela Embraer, não está competindo com ninguém na Polônia — ao menos não diretamente. O país europeu adota uma estratégia de complementaridade: o espanhol C-295 cobre o transporte leve, o brasileiro KC-390 assumiria o segmento médio, e o europeu A400M Atlas ficaria responsável pelas cargas pesadas e desdobramentos estratégicos.

"Não se trata de uma competição, mas de camadas de capacidade alinhadas aos padrões operacionais da OTAN", esclareceu o Coronel Paluch, responsável por aquisições na Força Aérea Polonesa. O KC-390 oferece velocidade, eficiência logística e custos operacionais mais baixos — atributos essenciais para operações sustentadas.

A Embraer não está fazendo apenas promessas comerciais. Em 2 de dezembro de 2025, a empresa brasileira assinou cinco memorandos de entendimento com a Polska Grupa Zbrojeniowa (PGZ), o conglomerado de defesa estatal polonês, e suas subsidiárias. Os acordos estabelecem cooperação de longo prazo que inclui produção local de componentes, polonização dos sistemas da aeronave, manutenção e até a possível instalação de uma linha de montagem final na Polônia.

"Estamos oferecendo muito mais do que aviões. Estamos oferecendo transferência de tecnologia, capacitação industrial e soberania operacional", destacou um executivo da Embraer presente nas negociações. Para um país como a Polônia, traumatizado pela experiência com os F-16 — onde a falta de capacidade local de manutenção de motores se tornou um problema estrutural —, essa proposta tem peso.

Analistas do setor avaliam a probabilidade de concretização do negócio do KC-390 entre 70% e 80%. Ainda não há contrato assinado, mas os sinais são inequívocos: a Polônia precisa da aeronave, a Embraer está disposta a se comprometer industrialmente, e não há concorrência direta no segmento específico que o KC-390 ocuparia.

Super Tucano: o caçador de drones de uso duplo
Mais instigante que o interesse no KC-390 é o olhar polonês sobre o A-29 Super Tucano, um turboélice de ataque leve que parece saído de outra era. Mas a guerra moderna tem suas ironias.

A Ucrânia revelou um problema que poucos previram: a proliferação massiva de drones de todos os tipos e tamanhos. Desde pequenos quadricópteros comerciais adaptados para lançar granadas até UAVs de reconhecimento de médio porte, essas ameaças de baixo custo se multiplicam mais rápido do que as defesas conseguem acompanhar. Usar um caça a jato moderno, que custa dezenas de milhares de dólares por hora de voo, para abater um drone de US$ 5.000 não faz sentido econômico ou operacional.

É aí que entra o Super Tucano. "Tem que ser uma solução de treinamento e combate, de uso duplo: quando não está treinando pilotos, pode ser usada para missões simples de combate ou patrulha", explicou o General Nowak. A aeronave brasileira combina sensores eletro-ópticos, enlaces de dados e armamentos guiados a laser, exatamente o necessário para detectar, rastrear e interceptar drones. E faz isso por uma fração do custo de um jato supersônico.

"Definitivamente testaremos o Super Tucano e o examinaremos mais de perto no início de 2026", confirmou Nowak. A Embraer apresentou oficialmente as capacidades contra-UAS (sistemas aéreos não tripulados) do A-29 durante a cerimônia de assinatura dos memorandos em dezembro passado.

Mas o Super Tucano enfrenta mais incertezas. A avaliação só começará em 2026, não há definição de quantidades, e outras plataformas - incluindo helicópteros Apache AH-64E e até o transporte leve M-28 Brisa - também estão sendo consideradas para missões anti-drones. A probabilidade de aquisição é estimada entre 55% e 65% — menor que a do KC-390, mas ainda significativa.

Soberania industrial: a nova moeda europeia
O que torna a estratégia da Embraer particularmente inteligente é o timing. A Europa, e especialmente a Europa Oriental, está obcecada com soberania industrial em defesa. A dependência de fornecedores externos - sejam americanos, russos ou até mesmo de outros países europeus - revelou-se uma vulnerabilidade perigosa.

"No caso de um conflito, você nunca sabe se haverá restrições de acesso às aeronaves por razões políticas", argumentou Nowak, justificando por que a Polônia recusou soluções multinacionais da OTAN para reabastecimento aéreo e preferiu desenvolver capacidade nacional própria.

A Embraer entendeu o recado. Os acordos com a PGZ não são meros contratos de compensação industrial — são parcerias de longo prazo que visam integrar empresas polonesas na cadeia de valor global da fabricante brasileira. Isso inclui não apenas produção de componentes, mas desenvolvimento de novas capacidades e até a possibilidade de que a indústria polonesa contribua para operações da Embraer em outros mercados europeus.

"A Polônia não está buscando soluções exóticas ou que criem dependência, mas plataformas comprovadas, interoperáveis e sustentáveis", resume a análise publicada pela Aviacionline, portal especializado em defesa. "Precisamente o domínio onde o KC-390, o A400M, o Super Tucano e o A330 MRTT têm mais a oferecer."

A janela de oportunidade
Para o Brasil e para a Embraer, o momento é histórico. Pela primeira vez, uma nação europeia da OTAN considera seriamente a aquisição em escala de aeronaves militares brasileiras, não por filantropia ou cooperação Sul-Sul, mas porque elas representam a melhor solução técnica, operacional e industrial para necessidades reais e urgentes.

A transformação da Força Aérea Polonesa está apenas começando. O país planeja investir dezenas de bilhões de euros na próxima década para se tornar a força aérea mais poderosa da Europa Oriental, uma posição que a geografia e a história lhe impõem. Nesse processo, haverá espaço para múltiplos fornecedores: Airbus, Lockheed Martin, Boeing e, potencialmente, Embraer.

"A Polônia não está se preparando para dissuadir. Está se preparando para resistir", concluiu um analista de defesa europeu que pediu anonimato. "E quando você se prepara para uma guerra longa, cada decisão de compra se torna estratégica. A Embraer entendeu isso."

Os próximos meses dirão se as asas brasileiras cruzarão definitivamente os céus do Leste Europeu. Mas uma coisa é certa: Varsóvia está prestando atenção. E no atual cenário de segurança europeu, atenção é o primeiro passo para um contrato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário será submetido ao Administrador. Não serão publicados comentários ofensivos ou que visem desabonar a imagem das empresas (críticas destrutivas).

Postagem em destaque