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25 fevereiro, 2023

Apoio do Itamaraty a produtos de defesa brasileiros é quase inexistente, diz ex-secretário Degaut


*Sputnik Brasil - 24/02/2023

Embargo da Alemanha à venda de veículos blindados brasileiros colocam a indústria de armamentos de volta à ordem do dia. A Sputnik Brasil conversou com o ex-secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut, e especialistas de ponta para saber como o conflito na Ucrânia e o governo Lula impactam a indústria de defesa brasileira em 2023.

Nesta quinta-feira (23), a Alemanha confirmou o embargo à venda de veículos blindados brasileiros para as Filipinas, por possuírem peças de fabricação alemã em sua composição.

O contrato previa a venda de 28 viaturas blindadas VBTP-MSR 6X6 Guarani ao Exército de Manila. De propriedade intelectual do Exército Brasileiro, os Guaranis são produzidos pela empresa IDV, localizada na cidade mineira de Sete Lagoas.

A notícia coloca em evidência a capacidade exportadora da Base Industrial de Defesa brasileira (BID). Mesmo sendo um país pacífico internacionalmente, o Brasil produz uma ampla gama de equipamentos militares, que vão desde facas até aeronaves de ponta, como o KC-390 da Embraer.

"A base industrial brasileira tem vocação exportadora", disse o ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa do Brasil, Marcos Degaut, à Sputnik Brasil. "Cerca de 75% a 80% dos produtos de defesas fabricados no Brasil se destinam ao exterior, fazendo com que o setor se converta em um importante gerador de divisas, empregos de alta qualificação e renda."

Degaut, que também ocupou o cargo de secretário especial adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, lembra que as exportações são um pilar da Política Nacional da Base Industrial de Defesa publicada em agosto de 2022.


"Neste cenário, merecem relevo os sucessivos recordes de exportações do último triênio", relatou Degaut. "Em 2021, não obstante aos efeitos da pandemia, alcançou-se a cifra recorde de US$ 1,7 bilhão [cerca de R$ 8,7 bilhões], representando acréscimo de 87,2% em relação a 2018."

Segundo Degaut, os principais destinos das exportações brasileiras são o Oriente Médio e a América Latina. O ex-secretário defendeu sua gestão, notando que "conseguimos aumentar significativamente nossa presença em outros mercados relevantes, mas nos quais não tínhamos capacidade de penetração, como o Sudeste Asiático e a África Subsaariana".

"Dentre alguns dos principais produtos, destacam-se sistemas de artilharia por saturação de área, sistemas de criptografia e de proteção das comunicações, material não letal para controle de distúrbios, [...] mísseis e foguetes guiados, aeronaves, sistemas de controle de tráfego aéreo", elencou Degaut. "Aliás, somos o maior fornecedor de munições da OTAN."


Apesar do crescimento das exportações, existem diversos obstáculos à contínua expansão da BID. Degaut pediu maior atenção do governo na prospecção de novos mercados para os produtos brasileiros e não poupou críticas à atuação do Ministério das Relações Exteriores.

"De maneira absolutamente anacrônica, produtos de defesa ainda são vistos com muita desconfiança e reticências no Itamaraty, fazendo com que o apoio daquela Casa seja tímido, quando não francamente inexistente", declarou Degaut.

Segundo ele, "é importante lembrar que a mera presença de embaixadores brasileiros em feiras de produtos de defesa mundo afora apenas para cortar a fita inaugural do Pavilhão do Brasil [organizado pelo Ministério da Defesa e pelo setor privado, com auxílio da APEX] nesses eventos ou o oferecimento de um jantar de boas-vindas às delegações brasileiras nessas ocasiões estão longe de configurar atividades de promoção comercial".

Made in Brasil
O caso do embargo alemão à venda de Guaranis brasileiros também coloca em pauta a necessidade de garantir maior índice de conteúdo nacional nos produtos de defesa brasileiros. Para Degaut, no entanto, esse esforço envolve financiamento, políticas públicas e cooperação internacional.

"Não se trata de aumentar conteúdo nacional ou diminuir componentes importados por meio de uma 'canetada' presidencial ou ministerial. A história recente do Brasil demonstra que isso não funciona, o que foi bastante evidente durante o governo Dilma Rousseff", disse o ex-secretário do Ministério da Defesa. "É necessária a alocação de recursos financeiros para fomentar e viabilizar projetos de pesquisa de interesse da Defesa, para o desenvolvimento endógeno de alta tecnologia."

O analista militar e consultor Pedro Paulo Resende acredita que as Forças Armadas brasileiras devem capitanear as compras dos produtos nacionais, e lembra que a dificuldade em garantir investimentos consistentes já prejudicaram importantes projetos da BID.

"Um dos principais obstáculos é a falta de encomendas internas, precisamos ter mais", disse Resende à Sputnik Brasil. "Produtos que foram vencedores no passado entraram em obsolescência, como é o caso do A-29 Super Tucano. O Tucano original T27, um avião de treinamento que poderia ser substituído por uma nova família de treinadores, é outro que ficou pra trás e precisa ser retomado com urgência."


O analista ainda cita a necessidade de modernizar os sistemas de lançamento de foguetes Astros da Avibras, que devem atender à crescente demanda dos clientes por sistemas de mísseis guiados.

"Isso é uma deficiência que tem que ser suprida no sistema, mas depende de encomendas das Forças Armadas brasileiras", acredita Resende.

Governo Lula e Produtos de Defesa
Já nas suas primeiras semanas, o governo Lula enfrentou alguns atritos com setores militares. A troca precoce no Comando do Exército poderia anunciar uma reticência por parte do petista em investir na base industrial de defesa.

No entanto, o professor da UNICAMP e pesquisador da área de indústria aeroespacial e de defesa, Marcos José Barbieri Ferreira, não acredita que o governo Lula terá dificuldades ideológicas em apostar na BID.

"Não acredito nisso, aliás os sinais apontam para o contrário", disse Ferreira à Sputnik Brasil. "A primeira reunião que Lula teve com setores da defesa incluiu não só os comandantes militares e o ministro Alckmin, mas também o presidente da FIESP, justamente para atender a demandas das Forças Armadas na área de defesa", disse Ferreira.

Para o pesquisador, a nova política econômica do governo busca a retomada do crescimento e a reindustrialização nacional, o que favorece os investimentos na BID.


"No mundo inteiro, a relação entre Estado e empresas de defesa é uma relação simbiótica. Um auxiliando o outro. Se não tiver apoio do Estado, não tem indústria de defesa", disse Ferreira.

De acordo com Marcos Degaut, "a BID representa, atualmente, 4,8% do PIB nacional e gera cerca de três milhões de empregos, diretos e indiretos", o que favorece o setor como propulsor do crescimento econômico.

"O novo governo prometeu aumentar os recursos para investimentos das Forças Armadas. Isso é uma iniciativa extremamente bem-vinda e muito necessária. Vamos esperar que a promessa seja cumprida", disse Degaut. "Investimentos significam recursos não apenas para aquisição de produtos, mas também para o desenvolvimento de novas tecnologias, de forma a superar situações de dependência tecnológica de produtos estrangeiros."

Ferreira faz uma ressalva ao otimismo, lembrando que "o contexto internacional agora é muito mais complicado do que era nos governos Lula anteriores".

Conflito ucraniano e BID brasileira
O conflito ucraniano e aumento de tensões entre potências como EUA, Rússia e China geram aumento total nos gastos militares o que, teoricamente, favoreceria o aumento das exportações de produtos de defesa brasileiros.

"Estamos em um contexto de disputa hegemônica, que se concretizou em um conflito de facto entre Ocidente, OTAN e Rússia, que está ocorrendo na Ucrânia", ponderou Ferreira. "Isso está gerando um aumento nos gastos militares totais, que precisa estar aliado a investimentos em novas tecnologias."

Os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil divergem quanto aos impactos do conflito ucraniano na indústria brasileira.

Para Pedro Paulo Resende, o envolvimento de uma ampla gama de países no conflito ucraniano pode dificultar as exportações nacionais.

"Por enquanto [o conflito na Ucrânia] serviu como um obstáculo", acredita Resende. "O Brasil não fornece para países em guerra, e houve várias tentativas de governos ocidentais de burlar esse embargo para repassar [produtos de defesa] para a Ucrânia. Obviamente o Brasil não aceitou. Então [o conflito] restringiu as nossas exportações."

Degaut acredita que o Brasil deve transformar essa crise geopolítica em oportunidade para desenvolver sua indústria de defesa, que pode funcionar como um pilar para o desenvolvimento do país.

"Baseada na constatação de que não se pode ser pacífico sem ser forte, a permanente capacitação da indústria nacional deve figurar como um dos pilares centrais das políticas e estratégias nacionais de defesa do Brasil", disse Degaut. "Em Defesa, não há espaço para improviso."

Nesta quinta-feira (23), a Alemanha embargou a venda brasileira às Filipinas de veículos blindados Guarani que contêm componentes de fabricação alemã. Os veículos brasileiros Guarani já foram exportados para países como o Líbano e vendas para Argentina e Malásia estão em negociação. Em 2021, as exportações de produtos de defesa brasileiros atingiram US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 8,7 bilhões), recorde histórico para o setor.

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