*LRCA Defense Consulting - 21/05/2025
Recentemente, conforme a mídia indiana tem publicado com destaque, a francesa Dassault Aviation rejeitou firmemente o pedido da Índia de acesso aos códigos-fonte dos 62 caças Rafale que adquiriu, como será mostrado na reportagem reproduzida no final desta matéria. A Índia busca esses códigos - que controlam sistemas críticos como o radar AESA (Thales RBE2) e o computador de missão modular (MMC) - para integrar armas e sistemas aviônicos desenvolvidos localmente, como o míssil Astra e o Rudram, e alcançar maior autonomia operacional sob a iniciativa "Atmanirbhar Bharat" (Índia Autossuficiente).
Com base nesse fato e em diversas outras considerações, esta Consultoria acredita que a decisão brasileira de escolher o caça sueco Saab JAS 39 Gripen E/F no âmbito do programa F-X2 (iniciado em 2008 e concluído com a assinatura do contrato em 2014) foi um grande acerto estratégico, especialmente quando analisada sob a perspectiva do acesso aos códigos-fonte e da transferência de tecnologia (ToT), haja vista que reflete uma combinação de fatores técnicos, econômicos, políticos e estratégicos que posicionam o Brasil de maneira vantajosa no cenário aeroespacial e de defesa.
A seguir, são abordados os principais pontos que sustentam essa afirmação, com base nas informações disponíveis e em uma análise crítica.
Acesso aos códigos-fonte: autonomia e flexibilidade tecnológica e operacional
Um dos pilares centrais da escolha do Gripen foi o compromisso da Saab em oferecer acesso irrestrito aos códigos-fonte do caça, algo que os concorrentes (Boeing F/A-18 Super Hornet e Dassault Rafale) não conseguiram igualar de forma tão abrangente. O acesso aos códigos-fonte permite à Força Aérea Brasileira (FAB) e à indústria nacional, como a Embraer, realizar atualizações, integrações de novos sistemas e armamentos, além de manutenções de forma autônoma.
Isso é crucial para:
- Independência operacional: o Brasil pode integrar armamentos e sensores de origem diversa, bem como modificar o software dos sistemas de missão, radares e armamentos sem necessidade de autorização estrangeira, adaptando o Gripen às suas necessidades específicas, como o sistema de comunicação Link BR2, desenvolvido localmente. Essa flexibilidade reduz a dependência de fornecedores estrangeiros, um fator estratégico em um cenário geopolítico onde sanções ou restrições de exportação podem limitar o acesso a tecnologias sensíveis.
- Maior segurança cibernética e operacional: o Gripen permite ao operador instalar sistemas de criptografia nacionais, o que impede a interceptação ou espionagem por países terceiros. Outros caças frequentemente impõem a adoção de sistemas proprietários e controlados externamente.
O Gripen também não depende de redes externas que centralizam dados de manutenção e operação (como o sistema ALIS/ODIN dos EUA), evitando riscos de bloqueio remoto ou coleta de dados sensíveis por terceiros.
- Sustentabilidade a longo prazo: com uma arquitetura de software aberta, o Gripen pode ser atualizado ao longo de sua vida útil (estimada em 40 anos), incorporando tecnologias emergentes, como capacidades furtivas ou integração com drones, sem a necessidade de aprovações externas.
- Segurança nacional: o controle sobre os códigos-fonte minimiza riscos de vulnerabilidades ou interferências externas, especialmente em um contexto de tensões geopolíticas, como as mencionadas em postagens recentes que alertam para possíveis pressões dos EUA devido à aproximação do Brasil com países como Rússia e China.
Esse nível de controle é raro em contratos internacionais de defesa e representa um salto qualitativo para a Força Aérea Brasileira (FAB) em termos de soberania militar.
Transferência de Tecnologia: um salto para a indústria nacional
O programa de ToT associado ao Gripen é descrito como o maior da história da Suécia e o mais extenso em curso no Brasil. Ele envolve mais de 600 mil horas de treinamento e 62 projetos, abrangendo áreas como sistemas de comunicação, integração de armamentos, ensaios em voo, aviônicos, aerodinâmica e produção de componentes estruturais.
Os principais benefícios incluem:
- Capacitação da indústria brasileira: cerca de 350 profissionais brasileiros, incluindo engenheiros e técnicos, foram treinados na Suécia, participando de atividades práticas (on-the-job training) em Linköping. Esses profissionais retornam ao Brasil para multiplicar o conhecimento, fortalecendo empresas como Embraer, AEL Sistemas, Akaer, Kryptus e Atech, além do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA/FAB), resultando na participação direta da indústria nacional no desenvolvimento, montagem e produção de partes significativas das aeronaves, assim como no estabelecimento de um centro de desenvolvimento em Gavião Peixoto (SP), permitindo a capacitação de engenheiros e técnicos brasileiros.
- Integração na cadeia global de suprimentos: empresas brasileiras, como a AEL Sistemas, tornaram-se fornecedoras globais da Saab, produzindo displays avançados (WAD, HUD e HMD) para todos os Gripen E/F, o que posiciona o Brasil como um potencial centro de exportação de componentes de alta tecnologia.
- Desenvolvimento local: a linha de produção do Gripen E em Gavião Peixoto (SP), inaugurada em 2023, é a única fora da Suécia. Das 36 aeronaves contratadas, 15 estão sendo produzidas no Brasil, com a primeira já em fase de montagem final. Isso consolida o Brasil como um polo de desenvolvimento, produção e testes, com o Centro de Ensaios em Voo (GFTC) e o Centro de Projetos (GDDN).
- Inovações exclusivas: o desenvolvimento do Gripen F (biposto), liderado por engenheiros brasileiros, é um exemplo de como a ToT vai além da simples absorção de conhecimento, permitindo ao Brasil contribuir ativamente com inovações, como a integração de uma segunda estação de pilotagem e o sistema Link BR2.
Custo-benefício e sustentabilidade econômica
O Gripen foi a opção mais econômica entre os concorrentes do F-X2, tanto em termos de aquisição quanto de custos operacionais. O contrato de 2014, avaliado em cerca de R$ 21 bilhões (atualizado), inclui 36 aeronaves, treinamento, suporte logístico e ToT. Comparado ao Rafale e ao F/A-18, o Gripen oferece:
- Menor custo operacional: por ser um caça leve, com um único motor (General Electric F414-GE-39E), consome até 30% menos combustível e exige manutenção mais barata.
- Flexibilidade operacional: o Gripen pode operar em pistas curtas (600 metros) e até em estradas, o que o torna ideal para as necessidades da FAB.
- Escalabilidade: a adição de quatro aeronaves ao contrato original (totalizando 40) e a possibilidade de um segundo lote de 26 caças indicam a viabilidade de expandir a frota sem comprometer o orçamento, embora desafios fiscais possam atrasar entregas até a década de 2030.
- Tecnologias de ponta: Apesar de ser uma aeronave monomotor, ela incorpora tecnologias de ponta como:
- Radar AESA;
- Sistemas avançados de guerra eletrônica;
- Data links seguros e sensor fusion.
Além disso, sua natureza modular facilita futuras atualizações e adaptações a necessidades específicas do Brasil.
Capacitação e geração de empregos
O projeto contribui diretamente para o desenvolvimento do complexo industrial de defesa nacional, com:
- Geração de milhares de empregos qualificados;
- Capacitação técnica e tecnológica da mão de obra brasileira;
- Estímulo à inovação e à pesquisa em áreas estratégicas.
Contexto geopolítico e estratégico
A escolha do Gripen reflete uma decisão geopolítica astuta. A Suécia, como então nação neutra, oferecia menor risco de imposição de restrições políticas ou embargos, ao contrário dos EUA, cuja relação com o Brasil foi abalada pelo escândalo de espionagem da NSA em 2013. Mesmo com sua adesão plena à OTAN em março de 2024, o país ainda oferece poucos riscos de adotar políticas restritivas. Além disso:
- Parceria estratégica Brasil-Suécia: a colaboração vai além dos caças, envolvendo negociações para a venda do Embraer KC-390 à Suécia, bem como do Gripen a países latino-americanos, o que fortalece laços bilaterais e abre mercado para a indústria brasileira.
- Posicionamento regional: o Gripen E/F é o caça mais avançado da América Latina, superando em tecnologia os concorrentes regionais. Isso reforça a liderança do Brasil na região, com potencial para exportar caças Gripen para outros países da América Latina, como foi o recente caso de sua escolha pela Colômbia.
- Resiliência a pressões externas: apesar de especulações sobre possíveis interferências dos EUA (como a investigação do Departamento de Justiça em 2024), a ToT e o acesso aos códigos-fonte garantem que o Brasil mantenha controle sobre o programa, reduzindo vulnerabilidades a pressões externas.
Desafios e Críticas
Apesar dos méritos, a decisão enfrenta críticas e desafios:
- Atrasos no cronograma: limitações orçamentárias brasileiras podem adiar a entrega completa das aeronaves para a década de 2030, o que pode impactar a prontidão operacional da FAB.
- Escalabilidade limitada: críticos apontam que a ToT pode ter utilidade reduzida se o Gripen não conquistar mercado na América Latina, limitando o retorno econômico do investimento. No entanto, o primeiro passo já foi dado, com a Colômbia selecionando a aeronave.
- Riscos geopolíticos: a aproximação do Brasil com Rússia e China pode levar a tensões com os EUA, potencialmente afetando componentes americanos do Gripen (como o motor GE F414). No entanto, o acesso aos códigos-fonte e a ToT mitiga esses riscos, garantindo maior autonomia.
Embraer: a grande empresa beneficiada
A Embraer é a grande beneficiada pela escolha do caça Saab Gripen pelo Brasil devido aos seguintes fatores:
- Transferência de tecnologia: o contrato com a Saab incluiu um amplo programa de transferência de tecnologia, permitindo à Embraer adquirir ou incrementar conhecimentos avançados em engenharia, sistemas aeronáuticos (como aviônica, integração de sistemas e testes de voo) e sistemas de combate ligados à fabricação de aeronaves supersônicas, setores nos quais ela não atuava diretamente. Além disso, a Embraer se tornou responsável por partes significativas da produção, montagem e desenvolvimento de versões específicas do Gripen, inclusive para exportação. Isso fortalece sua capacidade tecnológica, amplia seu portfólio militar e abre portas para novos mercados e contratos internacionais.
- Produção local: a Embraer coordena a produção de 15 dos 36 caças Gripen E/F em sua fábrica em Gavião Peixoto (SP), consolidando sua posição como um polo industrial de defesa e gerando empregos qualificados.
- Parceria estratégica: a colaboração com a Saab posiciona a Embraer como parceira estratégica em um projeto global, aumentando sua relevância no mercado internacional de defesa e abrindo oportunidades para exportações, como, por exemplo, para a Colômbia e, possivelmente, para o Peru.
- Fortalecimento do KC-390: a parceria inclui suporte da Saab para promover o cargueiro KC-390 da Embraer no mercado internacional, como na Suécia, ampliando seu alcance comercial.
- Infraestrutura e capacitação: a Embraer ganhou infraestrutura avançada, como o Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen (GDDN) e o Centro de Ensaios em Voo (GFTC), além de treinamento para mais de 350 profissionais, elevando sua expertise.
- Hub conjunto C-390 / Gripen para produção em outros países: a experiência da Embraer em transferência de tecnologia (como no programa Gripen no Brasil) poderá ser replicada em outros países, desde que a escala do mercado justifique investimentos como, por exemplo, na Índia, onde a Embraer propôs um hub regional para montagem e exportação do C-390, caso o país selecione a aeronave para seu programa de Aeronaves de Transporte Médio (MTA), que prevê a aquisição de 40 a 80 unidades.
A Índia é o mercado mais promissor para esse cenário, devido à demanda por caças (MMRCA 2.0 - 114 caças) e à política de produção local. Caso vença a concorrência com o seu C-390, a Embraer e a Saab podem propor uma linha de montagem conjunta, aproveitando o hub a ser estabelecido para esta aeronave.
No entanto, além da Índia, há outros países para onde, atualmente, a Embraer pretende se expandir e, talvez, estabelecer um hub de montagem ou fabricação do C-390, como Arábia Saudita, Polônia e Marrocos, caso também receba encomendas de porte que justifiquem o investimento, ficando a questão de uma produção conjunta do Gripen como uma possibilidade em aberto.
Caso Portugal desista formalmente do F-35 e venha a optar pelo Gripen, como defendem alguns setores da Força Aérea Portuguesa, as instalações da Embraer/OGMA nesse país estão em condições de, em prazo relativamente curto, serem adaptadas para colaborar na fabricação ou montagem da aeronave.
Um acerto estratégico para o Brasil e para sua base industrial de defesa
Num cenário geopolítico marcado por incertezas e por restrições impostas por países fornecedores de armamentos (como, por exemplo, no atual impasse entre Índia e França em relação ao caça Rafale, descrito na matéria a seguir), a decisão brasileira de escolher o Saab Gripen se mostra prudente, visionária e soberana.
Assim, é forçoso concluir que a escolha do Gripen foi um acerto estratégico para o Brasil, equilibrando custo, desempenho e autonomia. O acesso aos códigos-fonte assegura independência operacional e flexibilidade para integrar sistemas nacionais, enquanto o extenso programa de ToT fortalece a Base Industrial de Defesa, posicionando o Brasil como um player relevante no mercado aeroespacial global. Ela não apenas atende às necessidades operacionais da FAB, mas também promove um desenvolvimento autônomo e sustentável da capacidade aeroespacial e de defesa do Brasil — um passo fundamental para qualquer nação que almeje protagonismo estratégico no século XXI.
Por fim, a parceria com a Saab - e, por extensão, com a Suécia - aliada à produção local e à maior capacitação da Embraer como um player global em defesa, gera ganhos tecnológicos, industriais e comerciais para todo o ecossistema industrial brasileiro envolvido, direta ou indiretamente, no desenvolvimento e na produção do Gripen, que inclui empresas como Atech, Akaer, Kryptus e AEL Sistemas, além de diversas outras, criando um legado duradouro que transcende a aquisição de 36 (ou potencialmente 40) caças.
Apesar de desafios orçamentários e geopolíticos, a decisão reforça a soberania tecnológica e a capacidade de defesa do Brasil, alinhando-se à Estratégia Nacional de Defesa.
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Divisão Profunda sobre caças Rafale: Índia solicita acesso, França recusa
*Aero Haber - 19/05/2025
A Dassault Aviation rejeitou firmemente o pedido da Índia de acesso aos códigos-fonte dos caças Rafale. A empresa de defesa francesa citou a importância estratégica e a sensibilidade dos códigos à segurança como motivos para mantê-los confidenciais.
Tensões crescentes sobre o acesso ao código-fonte
Em 2016, a Índia assinou um acordo de € 7,8 bilhões com a França para 36 caças Rafale, todos entregues e implantados nas bases aéreas de Ambala e Hasimara. No entanto, os códigos de sistema necessários para integrar os sistemas de armas de fabricação indiana aos jatos Rafale não foram compartilhados pela França.
França: esta é uma informação estratégica
As empresas de defesa francesas Dassault Aviation e Thales enfatizaram que os códigos-fonte são o resultado de décadas de P&D. Elas argumentaram que o compartilhamento dessas informações poderia levar a:
- Disseminação de segredos tecnológicos,
- Comprometimento da integridade do sistema,
- Surgimento de vulnerabilidades de segurança e
- Complicações no fornecimento de suporte técnico.
Grécia também opera Rafales
A controvérsia não se limita à Índia. A Grécia, que mantém tensões periódicas com a Turquia, também adicionou recentemente jatos Rafale à sua frota. A falta de acesso aos códigos-fonte significa que os usuários do Rafale podem não conseguir personalizar totalmente a aeronave ou integrá-la efetivamente aos sistemas domésticos.
Novo acordo e expectativas da Índia
Em abril de 2025, a Índia assinou um novo acordo de € 6,9 bilhões para a versão naval do Rafale, o Rafale-M. A previsão é que os 26 jatos sejam entregues à Marinha Indiana entre 2028 e 2030, com implantação prevista nos porta-aviões INS Vikrant e INS Vikramaditya.
A Índia pretende integrar armas nacionais, como o míssil Astra Mk1 e a SAAW (Arma Antiaérea Inteligente), à plataforma Rafale. No entanto, a França está fornecendo apenas suporte técnico limitado e controlado para essas integrações. O desenvolvimento está sendo realizado por meio de kits de desenvolvimento de software fornecidos pela Dassault e com equipes de engenharia conjuntas.
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Saiba mais:
- Why Is Dassault Refusing to Share the Rafale Source Code with India?
- Dassault’s Reluctance to Share Rafale Source Code with India
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