PocketFab representa mais que inovação tecnológica — é questão de segurança e soberania militar do Brasil
*LRCA Defense Consulting - 16/12/2025
Em meio à guerra tecnológica global por semicondutores, o Brasil deu um passo decisivo rumo à autonomia militar. O anúncio da PocketFab, primeira fábrica portátil de chips do mundo na Universidade de São Paulo, vai além de uma conquista acadêmica: representa uma virada estratégica para a indústria de defesa brasileira, há décadas dependente de tecnologia estrangeira para equipar suas Forças Armadas.
A iniciativa, desenvolvida pelo InovaUSP em parceria com a Fiesp e o Senai, chega em momento crítico. O Brasil importa entre 40 e 50 bilhões de dólares em tecnologia anualmente, enquanto suas exportações no setor representam apenas uma fração mínima desse montante. Para a defesa nacional, essa dependência externa é ainda mais grave: quase 100% dos sistemas militares brasileiros utilizam componentes controlados por outros países.
Vulnerabilidade militar brasileira
A dependência de semicondutores estrangeiros expõe uma
fragilidade crítica nas Forças Armadas. Segundo especialistas em defesa, caso o
Brasil perdesse o acesso a fornecedores norte-americanos e europeus, a
capacidade operacional do país poderia entrar em colapso em apenas três anos.
Caças Gripen E, fragatas Tamandaré e submarinos Scorpène — pilares da defesa brasileira — dependem de componentes importados, desde sensores até sistemas de comunicação criptografada. Sem acesso a peças de reposição e atualizações tecnológicas, o país ficaria com sua capacidade de defesa comprometida.
A situação se agrava quando se analisa que mais de 20 mil componentes utilizados em armamentos dependem de semicondutores. Mísseis, drones, sistemas de navegação, radares, guerra eletrônica e comunicações seguras — todos exigem chips cada vez mais avançados. Na guerra moderna, semicondutores são multiplicadores de força tão essenciais quanto blindagem e munição.
Contexto geopolítico da guerra dos chips
A indústria de semicondutores nasceu no setor militar. Na
década de 1950, o Exército dos EUA financiou o desenvolvimento dos primeiros
chips de silício para sistemas de defesa, incluindo o programa espacial Apollo.
Desde então, quem domina a fabricação de chips mantém vantagem militar
decisiva.
A rivalidade entre Estados Unidos e China pela liderança tecnológica transformou semicondutores em armas geopolíticas. Washington impõe restrições à exportação de tecnologia de ponta para Pequim, enquanto a China investe dezenas de bilhões para alcançar autossuficiência. Taiwan, sede da TSMC, maior fabricante mundial de chips, tornou-se ponto crítico de tensão global, com possibilidade de conflito armado que paralisaria a economia mundial.
Para o Brasil, essa disputa representa tanto risco quanto oportunidade. O país foi colocado no centro da guerra tecnológica, com EUA e China disputando parcerias para produção de semicondutores em território nacional. A decisão brasileira de aproximação com a China para transferência de tecnologia em chips, 5G e inteligência artificial demonstra a urgência do tema.
Solução da PocketFab
Diferente das megafábricas tradicionais que custam bilhões
de dólares, a PocketFab propõe modelo compacto, modular e sustentável. A
tecnologia permite produção de semicondutores em menor escala, mas com
aplicação estratégica para necessidades específicas da defesa nacional.
A fábrica não pretende competir com gigantes como TSMC ou Samsung na produção de chips de 3 nanômetros. O foco está em atender o mercado de semicondutores especializados — nicho que representa 46% do mercado global e inclui componentes essenciais para sistemas militares.
Essa estratégia se alinha com a realidade brasileira. O país não precisa fabricar os chips mais avançados do mercado civil, mas sim garantir fornecimento contínuo de componentes para sistemas de defesa, mesmo em cenários de restrição internacional.
Terras Raras e soberania tecnológica
A PocketFab ganha ainda mais relevância quando combinada à
recente inauguração da planta piloto de terras raras do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas. O Brasil possui a segunda maior reserva mundial de terras raras —
elementos essenciais para produção de semicondutores, ímãs permanentes,
baterias e sistemas de propulsão.
Essa combinação de capacidade de refino de matéria-prima crítica com fabricação de chips cria sinergia estratégica. O país pode controlar desde a extração mineral até o produto final, reduzindo vulnerabilidades na cadeia de suprimento.
Atualmente, a China domina 85% da produção global de terras raras refinadas. A capacidade brasileira de processar esses materiais localmente representa autonomia em momento de crescente fragmentação das cadeias produtivas globais.
Impacto na Base Industrial de Defesa
A Base Industrial de Defesa brasileira representa 3,58% do
PIB e emprega 2,9 milhões de pessoas. Apesar do crescimento recente das
exportações — que atingiram US$ 1,3 bilhão no primeiro semestre de 2024 —, o
índice de autonomia tecnológica nas Forças Armadas é de apenas 42%.
A meta do governo federal é alcançar 55% até 2026 e 75% até 2033. Para isso, o Programa Nova Indústria Brasil prevê investimentos de R$ 112,9 bilhões no setor de defesa, com foco em radares, satélites, foguetes e sistemas autônomos.
A capacidade de fabricar semicondutores nacionalmente é peça-chave desse quebra-cabeça. Sem domínio sobre chips, o Brasil continuará dependente de fornecedores externos para equipar suas Forças Armadas, limitando a efetividade dos demais investimentos em defesa.
Estudo recente da Confederação Nacional da Indústria aponta que a nacionalização de apenas 30% dos produtos de defesa importados poderia gerar 226 mil empregos e arrecadação tributária de R$ 9,9 bilhões anuais.
Desafios e perspectivas
O Brasil enfrenta obstáculos significativos para consolidar
indústria de semicondutores. A produção exige investimentos bilionários, mão de
obra altamente qualificada, estabilidade regulatória e incentivos fiscais de
longo prazo.
A Ceitec, empresa estatal de semicondutores, entrou em processo de liquidação em 2021 por falta de recursos, sendo revertido em 2023. Especialistas estimam que renovar a Ceitec custaria entre US$ 200 milhões e US$ 400 milhões — valores modestos comparados aos bilhões investidos por EUA, China e Europa.
O governo sancionou em setembro de 2024 o Programa Brasil Semicondutores, aperfeiçoando incentivos fiscais para o setor. Agora é necessário garantir continuidade orçamentária e previsibilidade de compras governamentais para viabilizar investimentos privados.
A integração da PocketFab com o ecossistema da Cidade Universitária da USP - onde pesquisa, formação de talentos e inovação convergem - cria ambiente propício para desenvolvimento de soluções nacionais. O programa de pós-graduação da Engenharia Elétrica da USP formou 3.500 mestres e doutores nos últimos anos, demonstrando capacidade técnica brasileira.
Uma questão de soberania
Em um mundo onde semicondutores definem estratégias militares e
controlam a inovação tecnológica, o Brasil não pode permanecer dependente de
importações. A PocketFab representa início concreto de caminho rumo à
autonomia, conectando universidades, institutos de pesquisa e o setor
produtivo.
O projeto vai além de substituir importações. Trata-se de garantir que as Forças Armadas brasileiras mantenham capacidade operacional independente de restrições geopolíticas, proteção de infraestruturas críticas e desenvolvimento de tecnologias de uso dual que impulsionem toda a economia.
Como destacou o Diretor do InovaUSP, o Brasil importa dezenas de bilhões em tecnologia enquanto exporta apenas fração mínima. A mudança desse quadro exige projetos estruturantes como a fábrica de chips da USP — ambiciosos, de longo prazo e com impacto real na competitividade e segurança nacional.
É assim que países avançam. É assim que se constrói soberania tecnológica e militar.



