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20 dezembro, 2025

Drones e defesa europeia impulsionam aposta da Embraer em Portugal

Carta de intenção assinada ontem replica modelo do KC-390 e posiciona Portugal como porta de entrada da fabricante brasileira na Europa 


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LRCA Defense Consulting - 20/12/2025

Na cerimônia de entrega das primeiras cinco aeronaves A-29N Super Tucano à Força Aérea Portuguesa, realizada em Beja, foi assinado um documento que pode mudar o panorama da indústria aeronáutica portuguesa: uma carta de intenção entre o Ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, e o presidente da Embraer para estabelecer uma unidade de produção ou montagem do Super Tucano em território nacional.

A iniciativa replica uma fórmula já testada e aprovada com o KC-390, aeronave de transporte militar que transformou Portugal num centro de certificação NATO e gerou lucros significativos para o Estado português através de modificações técnicas que permitem a revenda a outros países da aliança.

O modelo vencedor do KC-390
O precedente do KC-390 é fundamental para compreender a aposta da Embraer em solo português. Quando Portugal adquiriu estas aeronaves de transporte, desenvolveu modificações específicas para certificação NATO através da sua Autoridade Aeronáutica Nacional. Este trabalho técnico permitiu que cada KC-390 vendido posteriormente a outros países membros da aliança gerasse entre 10 e 11 milhões de euros de lucro para Portugal.

Os resultados não tardaram: até 2025, a aeronave já havia sido comercializada para sete países europeus, incluindo Países Baixos, Áustria e República Checa. O projeto foi considerado o primeiro de Defesa em Portugal a efetivamente criar valor, envolvendo o tecido científico nacional e a indústria local, com o investimento inicial já sendo amortizado através das vendas internacionais.

"O que fizemos com o KC-390 demonstrou que este modelo funciona", afirmou fonte próxima ao processo. "Agora queremos replicá-lo com o Super Tucano, uma aeronave com enorme potencial no mercado europeu."

Portugal como porta de entrada estratégica
A escolha de Portugal não é casual. O país torna-se o primeiro na Europa a operar o A-29N com configuração NATO, posicionando-se como centro de treinamento de pilotos e certificação segundo os padrões da aliança. Esta posição privilegiada é vista pela Embraer como a chave para abrir o exigente mercado europeu.

O General Cartaxo Alves, da Força Aérea Portuguesa, revelou que o projeto já desperta interesse em várias forças aéreas europeias. Países como Holanda, Espanha e Itália surgem como potenciais compradores, sendo que a Real Força Aérea da Holanda é citada como o próximo cliente interessado, com o objetivo de substituir seus 13 treinadores Pilatus PC-7, que operam há mais de 36 anos.

A aeronave brasileira tem argumentos sólidos para conquistar este mercado: líder global na sua categoria, o A-29 Super Tucano foi selecionado por 22 forças aéreas em todo o mundo e acumulou mais de 600 mil horas de voo. Segundo executivos da Embraer, praticamente não tem similar no mundo com a função dupla de treinamento avançado e ataque leve.

A nova ameaça dos drones
O contexto geopolítico europeu atual acrescenta urgência ao projeto. Com a Europa atravessando uma nova fase de preocupação com defesa, cresce o interesse no emprego do A-29 em missões counter-UAS, ou seja, combate a drones não tripulados — uma ameaça cada vez mais presente nos conflitos modernos.

O Super Tucano apresenta-se como solução eficaz e economicamente viável para esta missão, sendo mais barato que jatos sofisticados para operações anti-drone. O seu custo operacional reduzido, por ser turboélice, torna-o particularmente atraente para países que procuram capacidades operacionais sem comprometer os orçamentos de defesa.

"Vários países europeus necessitam de novos aviões de treinamento avançado e, simultaneamente, procuram soluções para a ameaça dos drones", explica um analista de defesa. "O A-29N responde a estas duas necessidades num só equipamento."

Investimento de 200 milhões de euros impulsiona indústria nacional
O projeto do Super Tucano insere-se num investimento mais amplo de 200 milhões de euros na modernização da Força Aérea Portuguesa, dos quais 75 milhões serão aplicados diretamente na indústria nacional. Este montante visa criar um grande cluster aeronáutico em Beja, gerando mão de obra qualificada, fixação de pessoas e oportunidades de negócio.

O presidente da Câmara de Beja considera que a fábrica será um motor de desenvolvimento para a região, servindo como empresa âncora para atrair outras empresas do setor. Os sinais já são visíveis: em 2025 nasceram 60 novas empresas nas indústrias de Defesa devido ao clima de confiança criado por estes investimentos.

A presença da Embraer em Portugal não é nova. A fabricante brasileira detém 35% da OGMA, empresa portuguesa que já produz componentes para suas aeronaves e fornece suporte ao KC-390. Esta parceria deverá ser expandida para incluir o A-29N, aproveitando a experiência acumulada com modificações e certificações NATO.

Foto do portal Kiosque da Aviação

Infraestrutura e cronograma
Beja já possui infraestrutura aeronáutica relevante, sendo a base da Esquadra 506 que opera os KC-390. Esta vantagem logística reduz os investimentos iniciais necessários para estabelecer a nova unidade de produção ou montagem.

Embora não existam prazos oficiais divulgados, a experiência com o KC-390 e a rapidez na entrega das primeiras aeronaves A-29N - entregues um ano e um dia após a assinatura do contrato - sugerem que a Embraer e Portugal trabalham com eficiência. Especialistas estimam que a unidade de Beja poderá estar operacional entre 2,5 e 3,5 anos após a assinatura do contrato definitivo.

O modelo de produção deverá seguir a lógica já testada: componentes principais fabricados no Brasil, com montagem final e integração de sistemas NATO em Portugal, seguidos de testes e certificações finais em solo português.

Desafios e oportunidades
Apesar do cenário favorável, o projeto enfrenta desafios. A viabilidade econômica da unidade de Beja dependerá do volume de encomendas europeias, exigindo esforços comerciais sustentados. A capacitação de mão de obra especializada será outro fator crítico, assim como a necessidade de navegar pela complexidade das certificações NATO e da União Europeia.

A concorrência de fabricantes europeus tradicionais também não pode ser subestimada, embora o Super Tucano apresente vantagens competitivas claras em termos de custo-benefício e capacidades operacionais comprovadas em ambiente real de combate.

Por outro lado, as sinergias com a OGMA e o precedente bem-sucedido do KC-390 criam fundamentos sólidos para o sucesso da iniciativa. O fato de Portugal ter conseguido transformar o projeto KC-390 no primeiro de Defesa a criar valor real para o país, reforça a confiança de que o modelo pode ser replicado.

Perspectivas futuras
A carta de intenção assinada ontem representa mais do que um compromisso bilateral entre Portugal e a Embraer. Simboliza a maturidade da indústria de defesa portuguesa e a sua capacidade de se posicionar como hub estratégico na Europa.

Para a Embraer, Portugal oferece acesso privilegiado ao mercado europeu e NATO, redução de custos logísticos e um modelo de negócio que incentiva o governo local a promover ativamente as vendas internacionais, já que cada aeronave vendida gera receita para o Estado português.

Para Portugal, o projeto promete retorno financeiro direto, desenvolvimento industrial e tecnológico, posicionamento estratégico como primeiro operador europeu do A-29N NATO, e revitalização econômica de uma região tradicionalmente menos industrializada.

As próximas semanas serão cruciais para transformar a carta de intenções em compromisso definitivo. O interesse já manifestado por países como Holanda, Espanha e Itália sugere que o mercado está receptivo. Se o timing geopolítico se mantiver favorável e as negociações avançarem conforme previsto, Beja poderá em breve consolidar-se como um dos centros mais importantes da indústria aeronáutica militar europeia.

A segunda aposta da Embraer em solo português parece estar alinhada com as estrelas, ou melhor, com as necessidades operacionais e orçamentais das forças aéreas europeias. Resta agora transformar intenções em realidade concreta, tijolos, equipamentos e, principalmente, aeronaves que decolem do Alentejo rumo aos céus da Europa e além.


Ficha Técnica:

A-29N Super Tucano

  • Fabricante: Embraer (Brasil)
  • Função: Treinamento avançado e ataque leve
  • Operadores: 22 forças aéreas mundialmente
  • Horas de voo acumuladas: +600.000
  • Características: Turboélice, baixo custo operacional, capacidade counter-UAS

Contrato Portugal:

  • 12 aeronaves (5 já entregues, 7 nos próximos 2 anos)
  • Investimento total: 200 milhões de euros
  • Investimento na indústria nacional: 75 milhões de euros
  • Primeiro operador europeu com configuração NATO

A guerra invisível: como milhões de drones reescrevem as regras do combate moderno na Ucrânia

Ao longo de 1.250 quilômetros terrestres de front, a tecnologia de US$ 500 destroça blindados de US$ 5 milhões e transforma conceitos militares consolidados há 150 anos 


*LRCA Defense Consulting - 20/12/2025

Quando o sol nasce sobre a linha de frente terrestre ucraniana, o céu já está povoado. Não por aviões ou helicópteros, mas por centenas de pequenos pontos negros que zumbem incessantemente: drones de reconhecimento, drones de ataque, drones interceptadores. Em dezembro de 2025, após quase quatro anos de guerra, a Ucrânia e a Rússia travam o que especialistas militares já classificam como o primeiro conflito entre potências militares próximas dominado completamente por veículos não tripulados. E os números são assombrosos.

A Ucrânia produziu 800 mil drones em 2023, saltou para 2 milhões em 2024 e planeja fabricar até 5 milhões em 2025. A Rússia, segundo estimativas de inteligência ocidental, também investe pesadamente na produção em massa dessas máquinas. O resultado é uma corrida armamentista tecnológica sem precedentes, onde a inovação se mede em semanas, não em anos, e onde um dispositivo que custa algumas centenas de dólares pode destruir um tanque de última geração avaliado em milhões. 

O paradoxo: tudo é visto, nada é visível
Esta é uma guerra invisível travada sob vigilância total. Um paradoxo que define o conflito mais transformador desde a Segunda Guerra Mundial.

Invisível porque os soldados desapareceram. Não há mais colunas de tanques reluzentes avançando em formação, nem batalhões marchando em ordem cerrada. Os exércitos se dispersaram em grupos minúsculos de quatro a seis homens, escondidos em posições camufladas que levam horas para serem detectadas. Movem-se à noite, escondem-se durante o dia, tentam desesperadamente permanecer não-detectados por mais alguns minutos, mais algumas horas. A sobrevivência depende de ser invisível.

Invisível porque as batalhas desapareceram. Não há Stalingrados ou Kursk neste conflito. As ações decisivas acontecem em escalas microscópicas: um drone destruindo um veículo de suprimento a três quilômetros da linha de frente, um pequeno grupo infiltrando posições inimigas e eliminando uma equipe de operadores de drones, um ataque de artilharia guiado por satélite contra um depósito de munição. São mil cortes invisíveis que, coletivamente, determinam o destino de nações.

Invisível porque o mundo parou de assistir. Diferentemente dos primeiros meses de 2022, quando cada avanço russo ou contra-ataque ucraniano dominava manchetes globais, a guerra de 2025 ocorre nas sombras da consciência pública internacional. Mas continua tão brutal quanto sempre foi.

E, paradoxalmente, tudo isso acontece sob o olhar constante de milhões de olhos eletrônicos. Drones de reconhecimento pairam incessantemente a altitudes de algumas centenas de metros, câmeras de alta resolução vasculham cada metro quadrado do front, satélites fotografam movimentos de tropas, sensores térmicos detectam o calor de motores e corpos humanos. Nada escapa à vigilância. Tudo é visto. E tudo que é visto tende a ser destruído.

É neste ambiente impossível - onde ser detectado significa morte certa, mas permanecer invisível é quase impossível - que se trava a primeira guerra entre potências militares próximas dominada completamente por veículos não tripulados. E as regras mudaram para sempre. 

A zona de morte: onde tudo que se move é destruído
"Qualquer coisa que se mova na zona de cinco a dez quilômetros ao longo da linha de contato será detectada e provavelmente atacada", explica um oficial de inteligência ucraniano. Esta faixa, popularmente chamada de "zona de morte", transformou-se num inferno tecnológico onde os conceitos tradicionais de guerra foram virados de cabeça para baixo.

Durante a batalha de Avdiivka, no início de 2024, o mundo assistiu a demonstração brutal dessa nova realidade. Posições fortificadas ucranianas, que resistiriam por semanas a ataques convencionais, caíram após dias de bombardeios sistemáticos coordenados por drones. Os veículos não tripulados localizavam alvos, direcionavam artilharia com precisão cirúrgica e atacavam diretamente com explosivos quando necessário. As perdas foram catastróficas para ambos os lados.

As estatísticas confirmam a transformação. Estudos militares estimam que aproximadamente setenta por cento das baixas neste conflito são causadas por drones ou por artilharia guiada por drones. É uma proporção sem paralelo na história militar moderna. Durante a Segunda Guerra Mundial, a artilharia respondia por cerca de sessenta por cento das baixas, mas não havia a onipresença da vigilância aérea constante que caracteriza este conflito.

 

A muralha invisível e as contra-muralhas
Em resposta ao avanço russo no leste, a Ucrânia desenvolveu um conceito revolucionário: a "Drone Line". Trata-se de corredores defensivos com até quinze quilômetros de profundidade, onde drones de várias gerações e funções operam em camadas sobrepostas. Drones de reconhecimento detectam movimentos, drones de ataque tipo FPV (First Person View) interceptam veículos, e drones anti-drones caçam os aparelhos inimigos.

O sistema provou-se eficaz em retardar avanços russos em várias regiões. Interceptadores melhorados ucranianos derrubam drones de ataque russos em mais de setenta por cento das tentativas, segundo dados militares. Mas a Rússia não ficou parada.

A resposta russa veio na forma de inovação tecnológica: drones com fibra óptica. Controlados por um cabo conectado diretamente ao operador, esses aparelhos são completamente imunes a interferências eletrônicas, o calcanhar de Aquiles dos drones convencionais. Eles têm alcance limitado pelo comprimento do cabo, geralmente alguns quilômetros, mas são praticamente imparáveis uma vez lançados. A Ucrânia, que também passou a utilizá-los, relatou que esses drones russos agora emboscam veículos de suprimento bem atrás das linhas de frente, forçando uma dependência crescente de robótica terrestre para logística.

Mais perturbador ainda, formações russas de drones passaram a priorizar ataques contra equipes de drones ucranianas, forçando operadores a recuar das posições avançadas. É uma guerra dentro da guerra: drones caçando operadores de drones.

O fim dos "batalhões": a era dos grupos de infiltração
Se há uma transformação tática que define 2025, é o abandono das formações convencionais. Desde o verão, a Rússia mudou para táticas de infiltração usando pequenos grupos de quatro a seis soldados, estratégia apelidada pelos ucranianos de "tática dos mil cortes". Em vez de ataques massivos com dezenas de blindados e centenas de soldados, grupos diminutos se infiltram através da zona cinzenta entre as linhas.

O coronel Andriy Kovalenko, comandante de batalhão ucraniano no setor de Donetsk, descreve a nova realidade: "Eles não atacam as primeiras posições que encontram. Infiltram-se mais profundamente, procuram nossas equipes de drones, atacam postos de comando avançados. De repente, você tem grupos inimigos operando três quilômetros atrás de suas linhas oficiais". 

Táticas de infiltração com pequenos grupos já haviam sido empregadas na Primeira Guerra Mundial, inclusive pelo então tenente Erwin Rommel, que posteriormente as descreveu em seu livro 'Infanterie greift an' (1937). Na Segunda Guerra Mundial, essas táticas foram adaptadas por unidades especializadas de ambos os lados. Na África do Norte, enquanto Rommel comandava o Afrika Korps alemão, os britânicos da 7ª Divisão Blindada (conhecidos como 'Desert Rats') e unidades especiais como o Long Range Desert Group e o SAS também empregavam táticas de infiltração profunda em território inimigo, atacando instalações na retaguarda. Porém, em ambos os conflitos, tais táticas permaneceram restritas a situações pontuais e, geralmente, a unidades especializadas ou de elite. 

Na atualidade da guerra Rússia x Ucrânia, a linha de frente terrestre tornou-se borrada, fragmentada. Há setores onde a infantaria de ambos os lados mantém posições simultaneamente atrás das linhas inimigas nominais. A "zona cinzenta" expandiu-se dramaticamente. E a situação agravou-se pela crise crônica de pessoal que aflige particularmente a Ucrânia.

Alguns comandantes ucranianos relatam grandes extensões da frente sem presença de infantaria, mantidas apenas por equipes de drones e artilharia distante. Quando grupos russos se infiltram nessas áreas, podem criar um caos desproporcional antes de serem neutralizados. O front ucraniano agora se estende por quase 1.250 quilômetros, e as forças defendem enfrentando entre 160 e 190 combates distintos diariamente.

 

Tanques: obsoletos ou incompreendidos?
"O tanque está morto" tornou-se um refrão comum entre analistas militares nos últimos dois anos. Os números parecem dar razão a essa tese. Estimativas indicam que a Rússia perdeu aproximadamente 1.400 tanques e mais de 3.700 veículos blindados apenas em 2024. A Ucrânia alega ter destruído 1.159 tanques russos desde janeiro de 2025.

Imagens de tanques T-72 e T-80 russos sendo destruídos por drones FPV que custam menos de mil dólares circulam diariamente nas redes sociais. Javelins, NLAWs e drones de ataque descendente provaram-se devastadores contra blindagem convencional. A assimetria é gritante: máquinas de 45 toneladas e milhões de dólares destruídas por dispositivos que cabem numa mochila.

Mas declarar o tanque obsoleto seria prematuro. Durante a ofensiva ucraniana em Kursk, em agosto de 2024, tanques e veículos blindados pesados foram fundamentais para o sucesso inicial. A chave estava no emprego: o reconhecimento avançado identificava pontos fracos nas defesas russas, permitindo penetrações rápidas antes que os drones inimigos pudessem reagir efetivamente. Usados em condições climáticas adversas, quando a eficácia dos drones é reduzida por chuva e ventos fortes, os tanques ainda demonstram valor tático.

Tanto Rússia quanto Ucrânia continuam vendo valor no emprego de blindados. A Ucrânia segue solicitando tanques e veículos blindados dos países ocidentais. O que mudou não é a relevância do tanque em si, mas a doutrina de emprego. Concentrações massivas de blindados, marca registrada das doutrinas soviéticas e da OTAN durante a Guerra Fria, tornaram-se convites ao desastre.

Fortificações líquidas: repensando a defesa estática
A guerra de drones também destruiu pressupostos sobre fortificações. Em 2025, a Ucrânia descartou doutrinas de defesa da Guerra Fria para abraçar o que especialistas chamam de "fortalezas líquidas": dispersas, de baixa observabilidade e altamente móveis.

Em vez de grandes complexos fortificados com centenas de soldados, as novas posições ucranianas consistem em módulos pequenos, camuflados intensivamente, conectados por túneis e trincheiras cobertas. A lógica é simples: se drones podem detectar qualquer coisa, a resposta não é construir fortalezas maiores, mas tornar-se invisível e disperso.

Cada módulo abriga no máximo uma dezena de soldados. As posições são projetadas para serem abandonadas e reocupadas rapidamente. A defesa não é mais sobre segurar território específico a todo custo, mas sobre infligir perdas insustentáveis ao atacante através de uma rede fluida de pontos de resistência.

Paradoxalmente, quanto mais a tecnologia avança, mais a guerra lembra conflitos do século XIX e do início do século XX, mas só em certos aspectos. Trincheiras extensas, campos minados densos, guerra de posição. Mas com uma diferença crucial: o que acontece acima dessas trincheiras é radicalmente diferente de qualquer coisa vista na Primeira Guerra Mundial.

A corrida tecnológica interminável e a criação das Forças de Sistemas Não Tripulados
A cada semana surgem novas inovações. Drones kamikaze com inteligência artificial que identificam e atacam alvos autonomamente. Sistemas de guerra eletrônica portáteis que criam bolhas de proteção contra drones inimigos. Munições vagantes que circulam sobre uma área por horas esperando pelo alvo ideal. Enxames de drones coordenados que sobrecarregam defesas atacando simultaneamente de múltiplas direções.

Em junho de 2024, a Ucrânia tomou uma decisão histórica: estabeleceu as Forças de Sistemas Não Tripulados, o primeiro ramo militar independente dedicado exclusivamente a drones no mundo. É o equivalente à criação da Força Aérea como ramo separado no século XX. O sinal não poderia ser mais claro: drones não são um complemento às forças tradicionais, são uma dimensão de combate inteiramente nova.

A Rússia, por sua vez, expandiu dramaticamente produção doméstica e importações de drones, particularmente drones iranianos Shahed-136 usados para ataques em profundidade contra infraestrutura ucraniana. A Rússia recebeu milhares desses drones e estabeleceu linhas de produção licenciadas em território russo.

 

O preço humano da guerra industrial
Em meio à fascinação tecnológica, os números humanos são brutais. Estimativas ocidentais sugerem que a Rússia atingirá a marca de 1 milhão de baixas até meados de 2025. A Ucrânia não divulga números oficiais de perdas, mas observadores independentes estimam dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de feridos.

A natureza dos ferimentos também mudou. Médicos militares relatam um aumento dramático em amputações traumáticas causadas por drones explosivos. Diferentemente de projéteis de artilharia tradicionais, que frequentemente matam instantaneamente, drones FPV carregam cargas menores que causam ferimentos devastadores mas não necessariamente letais. Hospitais militares ucranianos e russos estão repletos de soldados jovens enfrentando amputações múltiplas.

O trauma psicológico é outro aspecto pouco discutido. A onipresença de drones cria uma sensação de vigilância constante que corrói a moral. Soldados relatam que o som característico dos drones quadricópteros causa reações de pânico mesmo em veteranos experimentados. Diferentemente da artilharia, que ataca em salvas e depois cessa, os drones estão sempre lá, sempre observando, sempre prontos para atacar.

 

Lições para o Brasil e para o mundo
O conflito na Ucrânia é observado intensamente por militares do mundo inteiro. Taiwan estuda as táticas ucranianas de drones contra blindados pensando numa possível invasão chinesa. A OTAN revisou completamente suas doutrinas de combate mecanizado. A China acelerou desenvolvimento de contra-drones e sistemas de guerra eletrônica.

O general Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, declarou em entrevista recente: "O que estamos vendo na Ucrânia é o futuro da guerra. Qualquer exército que não esteja se preparando para combate dominado por drones estará obsoleto em uma década."

Mas há uma ressalva importante: este é um conflito entre adversários com capacidades tecnológicas relativamente próximas. Contra um inimigo com superioridade aérea total e capacidades avançadas de guerra eletrônica, muitas dessas táticas podem não funcionar. Os drones ucranianos e russos operam num ambiente onde nenhum lado controla completamente o espectro eletromagnético ou o espaço aéreo acima de dez mil pés. Contra os Estados Unidos ou China, o cenário seria radicalmente diferente.

Ainda assim, as lições são claras: concentração massiva de forças tornou-se suicida; detectabilidade é sinônimo de vulnerabilidade; adaptação rápida vale mais que equipamento sofisticado; e a produção industrial em massa de tecnologia relativamente simples pode superar sistemas de armas complexos e caros.

Um conflito sem fim à vista
Apesar das perdas catastróficas, nenhum avanço estratégico significativo ocorreu em 2025. Objetivos russos como a cidade de Pokrovsk permanecem em mãos ucranianas. Ambos os lados agora operam ao longo de linhas de frente extensamente fortificadas com densos campos minados, sistemas de trincheiras, obstáculos anti-blindagem e posições de artilharia fortificadas. É uma guerra de atrito tecnológico onde a vantagem pertence a quem consegue sustentar produção e perdas por mais tempo.

O tenente-coronel Viktor Shevchenko, analista militar ucraniano, resume sombriamente: "Antes, guerras eram decididas por grandes batalhas. Agora, são decididas por linhas de produção. Quem conseguir fabricar mais drones, mais munição, mais equipamento simples mas eficaz, vencerá. E isso pode levar anos."

Enquanto isso, nos céus sobre a linha de frente, milhões de pequenos pontos negros continuam zumbindo. Observando. Esperando. Atacando. Redefinindo o que significa fazer guerra no século XXI.

 


Nota do Editor: esta reportagem foi elaborada com base em fontes abertas de inteligência militar, relatórios de organizações de pesquisa em defesa e análises de especialistas independentes. Informações sobre táticas específicas foram deliberadamente mantidas em nível geral para não comprometer a segurança operacional.

19 dezembro, 2025

Marinha do Brasil ativa esquadrão inédito de drones e aposta em nova doutrina de combate

Corpo de Fuzileiros Navais inaugura unidade tática que marca salto tecnológico e alinha o país às forças armadas mais modernas do mundo

 

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LRCA Defense Consulting - 19/12/2025

A Marinha do Brasil ativou no último dia 12 de dezembro o Esquadrão de Drones Táticos de Esclarecimento e Ataque no Batalhão de Combate Aéreo, localizado no Complexo Naval da Ilha do Governador. A iniciativa representa um marco na modernização das Forças Armadas brasileiras e coloca o Corpo de Fuzileiros Navais na vanguarda tecnológica e doutrinária do país.

A criação do novo esquadrão vai muito além da simples incorporação de equipamentos. Segundo o Comandante de Operações Navais, Almirante Claudio Henrique Mello de Almeida, trata-se de galgar uma vanguarda tecnológica e doutrinária que deve atender às demandas para o combate, com foco na prontidão operativa e no preparo para enfrentar novas ameaças em um cenário de guerra cada vez mais automatizado.

Uma filosofia diferente
O que torna essa unidade singular não é apenas o armamento ou os sensores de última geração, mas a filosofia operacional que ela representa. O Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, Almirante Carlos Chagas Vianna Braga, destacou que o esquadrão já nasce como unidade tecnologicamente avançada e com uma filosofia diferente, na qual os militares devem estar aptos a operar lado a lado com máquinas autônomas.

Esse novo paradigma reflete as lições aprendidas em conflitos recentes, especialmente na guerra da Ucrânia, onde drones tornaram-se elementos decisivos no campo de batalha. O Comandante Rodrigo Rodrigues ressaltou que o esquadrão simboliza a consolidação de um conceito operacional avançado, no qual tecnologia, informação e precisão convergem para ampliar significativamente a capacidade de proteger o território e antecipar ameaças.

Investimento em capacitação
Para dar suporte à nova doutrina, a Marinha anunciou a criação da Escola de Drones do Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo, prevista para entrar em funcionamento em 2026. O curso abrangerá drones dos tipos 0 e 1, que podem ser pilotados por quem não é piloto profissional, e inicialmente será voltado para militares da Marinha, podendo ser expandido futuramente para outras forças.

Além da escola, destaca-se a Unidade Fabril Expedicionária do Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Navais, capaz de fabricar componentes em campanha, prestando apoio industrial diretamente no campo de batalha. Essa capacidade de produção em ambiente operacional representa um diferencial estratégico importante.

Contexto de modernização
O Esquadrão de Drones Táticos de Esclarecimento e Ataque não é a primeira iniciativa da Marinha com aeronaves remotamente pilotadas. Em 2022, já havia sido criado o 1º Esquadrão de Aeronaves Remotamente Pilotadas, equipado com drones ScanEagle, voltado para missões de inteligência, vigilância e reconhecimento.

Mais recentemente, em outubro de 2024, a Marinha incorporou o drone NAURU 500C, rebatizado de RQ-2, desenvolvido com tecnologia 100% nacional pela empresa XMobots, que conta com participação da Embraer. Esse equipamento opera no Sistema de Busca e Salvamento Marítimo, com capacidade de se afastar até 60 quilômetros do ponto de controle e autonomia de voo de quatro horas.

Desafios e perspectivas
Apesar dos avanços, a modernização enfrenta obstáculos orçamentários significativos. Durante o III Simpósio de Defesa e Segurança Internacional, realizado em outubro no Rio de Janeiro, o Almirante Carlos Chagas admitiu que nos últimos 11 anos houve uma queda nos gastos de defesa de 1,4% para 1% do PIB, enquanto o restante do mundo já ultrapassa 2%. Segundo ele, essa redução compromete a capacidade de resposta a imprevistos e afeta o planejamento de longo prazo.

Outro desafio é a crescente sofisticação do uso de drones pelo crime organizado. Casos recentes no Rio de Janeiro revelaram que facções criminosas têm utilizado drones adaptados com explosivos, inclusive com o envolvimento de militares, o que evidencia a urgência de o Estado desenvolver capacidades de defesa antidrone.

Alinhamento estratégico
A ativação do novo esquadrão posiciona o Brasil como ator relevante em fóruns multilaterais de defesa e inovação. A capacidade de operar tecnologias de ponta não apenas aumenta a efetividade operacional das Forças Armadas, mas também fortalece o papel do país no cenário internacional de segurança e defesa.

Com a nova unidade, o Corpo de Fuzileiros Navais demonstra estar acompanhando o ritmo acelerado da evolução tecnológica militar global, preparando-se para os desafios do futuro enquanto desenvolve uma doutrina própria adaptada à realidade brasileira.

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