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28 dezembro, 2025

Da defensiva à vanguarda: como a Ucrânia pode se tornar o escudo aéreo da Europa

Taxa de interceptação de 97% em ataque russo demonstra capacidade que poucos países da OTAN possuem 

*LRCA Defense Consulting - 28/12/2025

A data de 23 de dezembro de 2025 pode marcar um ponto de inflexão não apenas para a defesa aérea ucraniana, mas para toda a arquitetura de segurança europeia. Naquele dia, pilotos ucranianos de F-16 interceptaram 34 dos 35 mísseis de cruzeiro lançados pela Rússia em um ataque maciço que mobilizou 673 armas aéreas, incluindo 635 drones e 38 mísseis de diversos tipos.

A taxa de interceptação de 97% surpreendeu analistas militares e reacendeu um debate que ganha urgência crescente em Bruxelas e capitais europeias: a Ucrânia, depois de quase três anos absorvendo a experiência de combate mais intensa desde a Segunda Guerra Mundial, está desenvolvendo capacidades de defesa aérea que a maioria dos países da OTAN não possui.

A batalha que mudou a narrativa
O Coronel Yurii Ihnat, chefe de comunicações da Força Aérea ucraniana, confirmou que os F-16 desempenharam papel fundamental na interceptação dos mísseis de cruzeiro. O ataque russo tinha como alvos principais a infraestrutura energética nas regiões ocidentais da Ucrânia, e visava causar apagões em massa durante o inverno.

O que torna esse resultado particularmente significativo é a complexidade do cenário: além dos F-16, participaram da defesa caças Mirage-2000, MiG-29, Su-27, drones interceptadores e grupos móveis de fogo. A coordenação entre sistemas antigos soviéticos e plataformas ocidentais modernas demonstra um nível de integração operacional que poucos países conseguem alcançar mesmo em tempos de paz.

Tecnologia e experiência: a combinação letal
A capacidade demonstrada pelos pilotos ucranianos não surgiu do vácuo. Imagens recentes revelaram que os F-16 ucranianos estão equipados com pods de direcionamento Sniper, que incluem câmeras de luz diurna e infravermelho, além de designador a laser.

Esta tecnologia permite que os pilotos detectem mísseis de cruzeiro e drones usando câmeras ou radar, e então os "iluminem" com o laser para guiar armamentos. Mais importante, os pods Sniper são sensores passivos que não emitem radiação, permitindo que o F-16 opere "silencioso" sem revelar sua localização.

O armamento também evoluiu. Os F-16 ucranianos agora utilizam o Sistema Avançado de Arma de Precisão Letal (APKWS), um foguete guiado a laser de 15 kg com alcance de até 11 km. Com custo de apenas US$ 35 mil por unidade, o APKWS é uma das poucas munições anti-drone no inventário ucraniano mais barata que seu alvo, em comparação com os US$ 500 mil de um míssil AIM-9.

O contexto europeu: um continente despreparado
A performance ucraniana expõe uma vulnerabilidade crítica: a Europa não está preparada para defender seus próprios céus contra ameaças em massa. Segundo estimativas do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), até o final de 2023, a Ucrânia possuía aproximadamente 564 plataformas antiaéreas em serviço. Para comparação, todos os países europeus combinados têm apenas cerca de 1.600 plataformas.

A desproporção é ainda mais gritante quando se considera a extensão territorial e populacional da Europa comparada à Ucrânia. A realidade é que a demanda ocidental por sistemas de defesa aérea era historicamente baixa, e a produção industrial não acompanhou as novas ameaças.

Esta lacuna tornou-se dolorosamente evidente em setembro de 2025, quando enxames de drones russos Gerbera violaram o espaço aéreo polonês. A assimetria de custos enfrentada pelos aliados ao interceptar a frota de drones Gerbera sobre a Polônia deixou clara a necessidade de adquirir sistemas mais econômicos, como o caça leve turboélice Embraer A-29N Super Tucano em sua nova configuração anti-drone. Usar caças e mísseis ar-ar caros para derrubar drones é operacionalmente possível, mas economicamente insustentável.

Operação Eastern Sentry e a resposta da OTAN
A resposta da OTAN não tardou. A Operação Eastern Sentry, lançada ao longo do flanco oriental da aliança, visa fortalecer ainda mais a postura de proteção de todos os aliados. A Dinamarca contribuiu com dois F-16 e uma fragata antiaérea, a França com três Rafales, e a Alemanha com quatro Eurofighters.

Paralelamente, está em desenvolvimento a Linha de Dissuasão do Flanco Oriental (EFDL, na sigla em inglês), uma iniciativa que busca desenvolver sistemas padronizados baseados em dados, lançadores comuns e coordenação baseada em nuvem. O conceito prevê a implantação de milhares de drones comerciais, sensores em rede e postos de comando digital que podem detectar e atacar em profundidade.

O paradoxo estratégico
Enquanto a Europa corre para construir suas defesas, a Ucrânia já possui pilotos com centenas de horas de combate real, testando táticas contra a força aérea russa e seu sistema integrado de defesa aérea. F-16s fornecidos à Ucrânia como parte da ajuda militar ocidental agora voam aproximadamente 80% das missões de combate da Força Aérea ucraniana.

Esta experiência é inestimável. Fornecer F-16s à Ucrânia apresenta à OTAN e aos Estados Unidos uma oportunidade única de coletar inteligência sobre a potência de aeronaves e armas aliadas contra equipamentos e táticas russas e iranianas. A guerra na Ucrânia tornou-se, involuntariamente, o maior laboratório de guerra moderna desde 1945.

A afirmação de Stan Zemlyanyy: visão ou realidade?
Quando Stan Zemlyanyy postou no LinkedIn que "nesse ritmo, a Ucrânia pode em breve estar ajudando a proteger o céu da Europa, em vez de a Europa proteger o da Ucrânia", muitos podem ter interpretado como bravata. Os fatos, contudo, sustentam a afirmação.

A Ucrânia possui:

  • Pilotos com experiência de combate real contra ameaças russas modernas
  • Capacidade comprovada de integrar sistemas ocidentais e soviéticos
  • Doutrina operacional testada em batalha para defesa aérea em camadas
  • Taxa de interceptação superior a 90% em múltiplas operações
  • Experiência em operar sob intensa guerra eletrônica

Compare isso com a maioria dos países europeus, cujos pilotos voam principalmente missões de treinamento e patrulha em tempo de paz. Países do flanco oriental com maior potencial continuarão a desenvolver capacidades de ataque de longo alcance como meio de punição convencional, mas a capacidade defensiva continua deficiente.

 

O Centro Europeu de Treinamento F-16
Reconhecendo esta realidade, a Romênia adquiriu 18 F-16 holandeses por apenas um euro cada para dedicá-los ao Centro Europeu de Treinamento F-16 (EFTC). A importância do EFTC só aumenta à medida que Holanda, Dinamarca e Noruega aposentam completamente seus F-16, enquanto Bélgica está em processo de fazê-lo.

O EFTC oferece agora uma capacidade única na Europa, fornecendo um programa completo de treinamento para pilotos de F-16, bem como uma estrutura na qual instrutores e pilotos de diferentes países da OTAN - incluindo a Ucrânia - podem treinar juntos, segundo os mesmos padrões.

Desafios e limitações
Apesar dos sucessos, a situação ucraniana permanece precária. As forças aéreas enfatizaram que mísseis para sistemas de defesa aérea e mísseis ar-ar fornecidos por parceiros não estão chegando nas quantidades necessárias. A escassez de munições é citada repetidamente por pilotos, liderança militar e pelo presidente Zelenskyy.

Além disso, a Ucrânia ainda opera com número limitado de F-16 - cerca de 50 dos 87 prometidos - e sofreu perdas, incluindo pelo menos quatro aeronaves destruídas ou abatidas desde agosto de 2024. A Ucrânia não pode se dar ao luxo de usar seus F-16 como consumíveis.

Implicações para a defesa europeia
A questão central não é se a Ucrânia pode ajudar a proteger os céus europeus, mas quando e sob quais condições. A União Europeia e a OTAN estão desenvolvendo múltiplas iniciativas:

  • Muro europeu de drones: proposto pela presidente da Comissão von der Leyen durante seu discurso de 2025 sobre o Estado da União, busca integrar defesas antidrones ao longo da fronteira oriental.
  • Vigilância do flanco oriental: reforçaria as fronteiras orientais da UE contra ameaças híbridas, cibernéticas, marítimas e convencionais da Rússia e Belarus através da integração de defesa aérea, guerra eletrônica, vigilância e sistemas de segurança marítima.
  • Escudo aéreo europeu: visa criar uma defesa antimísseis integrada continental.
  • Na composição da vigilância e do muro é que seriam inseridas as aeronaves Embraer A-29N Super Tucano, aptas a realizar patrulha aérea de longa duração e, se for necessário, atuar contra drones russos. 

O fator experiência
O que diferencia a proposta ucraniana de uma mera especulação é a experiência operacional. Nenhuma força aérea da OTAN enfrentou combate aéreo de alta intensidade nas últimas décadas. Os pilotos da OTAN são altamente treinados, mas carecem da experiência que apenas o combate real proporciona.

Até o momento na guerra, a Ucrânia abateu mais de 100 aeronaves russas, e a Rússia abateu pelo menos 75 aeronaves ucranianas. Este intercâmbio manteve ambos os lados cautelosos, mas forneceu aos ucranianos conhecimento tático inestimável sobre como operar contra sistemas russos modernos.

O caminho à frente
A transição da Ucrânia de país que recebe proteção para país que fornece proteção não acontecerá da noite para o dia. Requer:

  1. Continuidade do fornecimento de F-16 e munições: sem armas suficientes, mesmo os pilotos mais experientes são ineficazes.
  2. Integração institucional com estruturas de comando da OTAN: a experiência ucraniana precisa ser formalizada e integrada nos sistemas de defesa coletiva.
  3. Sustentação da base industrial: manutenção e suporte logístico são tão críticos quanto as aeronaves em si.
  4. Transferência de conhecimento: a OTAN deveria incorporar pilotos de caça às unidades da Força Aérea ucraniana para auxiliar em debriefings, aprendizado e planejamento de missões.

Um novo paradigma de segurança
A afirmação de Stan Zemlyanyy, longe de ser exagero nacionalista, reflete uma realidade emergente que a Europa precisa confrontar. Após quase três anos de guerra de alta intensidade, a Ucrânia desenvolveu capacidades e expertise em defesa aérea que a maioria dos países europeus simplesmente não possui.

A questão para os formuladores de políticas europeus não é se devem aceitar ajuda ucraniana, mas como institucionalizar e integrar essa experiência antes que seja tarde demais. Com a Rússia demonstrando disposição crescente para testar as defesas da OTAN através de violações de espaço aéreo e guerra híbrida, o tempo para decisões estratégicas está se esgotando.

Como demonstrou o ataque de 23 de dezembro, quando se trata de defender os céus contra mísseis e drones em massa, a Ucrânia pode não estar apenas à altura do desafio - pode estar liderando o caminho.

27 dezembro, 2025

Centauro II-BR: Defesa brasileira avança rumo à produção nacional de blindados sobre rodas

 


*LRCA Defense Consulting - 27/12/2025

O Exército Brasileiro (EB) está prestes a dar um dos passos mais significativos em sua modernização terrestre nas últimas décadas. Conforme apuração da CNN Brasil, a assinatura do contrato para aquisição da Viatura Blindada de Combate de Cavalaria (VBC Cav) Centauro II-BR está prevista para ocorrer entre fevereiro e maio de 2026. O acordo, que envolverá a Iveco Defence Vehicles (IDV) e a Oto Melara, integrantes do consórcio italiano CIO, marca o início de uma nova era para a indústria nacional de defesa, com ampla transferência de tecnologia e produção local.

Produção em território nacional
A montagem final dos veículos será realizada na fábrica da IDV em Sete Lagoas, Minas Gerais, onde atualmente são produzidos os blindados Guarani 6x6. O plano industrial prevê que, a partir de 2027, os cascos e as torres do Centauro II passem a ser fabricados inteiramente no Brasil, integrando uma cadeia de fornecedores nacionais. O programa contempla 96 unidades do blindado 8x8, totalizando um investimento da ordem de R$ 5 bilhões, com entregas previstas até 2033.

A decisão faz parte de uma política de autonomia estratégica da Força Terrestre, que busca reduzir a dependência externa em veículos e munição de grosso calibre. Segundo fontes do Exército, cerca de 60% dos componentes poderão ser nacionalizados ao longo dos primeiros lotes de produção.

Transferência de tecnologia e armamento
Um dos pontos-chave do contrato é o pacote de transferência de tecnologia. A operação inclui o know-how de fabricação de munições de 120 mm — incluindo tipos APFSDS, HE e programáveis —, além de sistemas de controle de tiro, eletrônica embarcada, optrônicos e integração de sensores.

A IMBEL já trabalha em conjunto com a Comissão do Exército responsável pelo projeto para absorver parte dessa tecnologia, especialmente na fabricação local de munição e rádios criptografados, como o sistema Mallet. Paralelamente, o Exército lançou consulta pública para a aquisição de munições de 120 mm, preparando o terreno para o início da produção sob licença no país.

Impacto estratégico e industrial
O Centauro II-BR será o substituto do histórico EE-9 Cascavel, em operação desde a década de 1970. Mais potente, com canhão de 120 mm e mobilidade superior, o veículo coloca o Brasil no mesmo patamar de exércitos europeus em termos de capacidade de combate sobre rodas.

Para além do ganho operacional, o acordo é visto como um impulsionador do setor industrial de defesa. Especialistas apontam que essa parceria poderá abrir portas para exportações futuras e consolidar o país como referência regional em blindados fabricados localmente.

Segundo analistas ouvidos pela CNN e por publicações especializadas como Tecnodefesa e DefesaNet, o Brasil caminha para uma nova fase de independência tecnológica, em que acordos de compensação industrial (offsets) assumem papel estratégico no fortalecimento da Base Industrial de Defesa (BID).

Próximos passos
Com a assinatura do contrato esperada até o primeiro semestre de 2026, os dois protótipos atualmente em testes no Brasil servirão de base para ajustes finais e treinamento de pessoal. As primeiras unidades de série devem começar a ser entregues em 2027, coincidindo com a consolidação da linha de produção nacional.

Caso o cronograma seja mantido, o Centauro II-BR não será apenas um novo blindado nas fileiras do Exército — mas um símbolo da reindustrialização de defesa, unindo soberania, tecnologia e oportunidade econômica para o país.

26 dezembro, 2025

EMADS: Brasil negocia sistema antiaéreo de padrão OTAN para proteger SP, Brasília e Amazônia

 
*LRCA Defense Consulting - 26/12/2025

O Brasil está avançando em negociações com a Itália para adquirir o sistema antiaéreo EMADS, abandonando o Akash indiano em busca de tecnologia de ponta. O Exército Brasileiro prioriza o Enhanced Modular Air Defense Solutions (EMADS), da MBDA, para cobrir lacunas em defesa de média altitude, integrando mísseis CAMM, que são comuns às fragatas Tamandaré.​​

Negociações bilionárias com MBDA
O contrato em discussão pode ultrapassar US$ 1 bilhão, com foco inicial em duas baterias de artilharia antiaérea equipadas com 96 mísseis cada, destinadas a Jundiaí (SP), Brasília e região Norte amazônica. Essa aquisição representa um salto tecnológico para o Brasil, elevando o teto de interceptação de 3.000 metros para cerca de 20 km de altitude, combatendo drones de alta altitude e mísseis de cruzeiro. A escolha pela Itália garante logística compartilhada com a Marinha, via mísseis CAMM-ER do Sea Ceptor nas Tamandaré.

Ruptura com a Índia e motivos técnicos
As tratativas com empresas indianas como BDL e BEL foram congeladas após o Brasil rejeitar versões antigas do Akash, que não atendiam demandas por transparência tecnológica e desempenho contra ameaças modernas de baixa altitude. O EMADS destaca-se pelo lançamento vertical "soft" (ejeção a frio), seeker radar ativo "fire-and-forget" e alcance de 40-50 km, superando o Akash em cenários de guerra híbrida com enxames de drones. 

O seeker radar ativo "fire-and-forget" é um sistema de guiamento onde o míssil possui seu próprio radar miniaturizado (seeker) que emite e recebe sinais independentes, permitindo que ele detecte, acompanhe e atinja o alvo de forma autônoma após o lançamento, sem necessidade de orientação contínua da plataforma lançadora.  

Relatos indicam que houve relutância indiana em transferir tecnologias israelenses integradas às versões mais novas do Akash-NG.

Sinergia naval e offsets para Embraer
As fragatas Tamandaré, em construção avançada no Estaleiro Brasil Sul (F200 em pico de produção, F202 em montagem de blocos), usarão a mesma família CAMM, otimizando treinamento e suprimentos entre Forças Armadas. Um pilar da negociação é o offset tecnológico: transferência para a Embraer Defesa & Segurança produzir radares avançados domesticamente, ampliando parcerias existentes como o SABER M200 Vigilante. O governo brasileiro busca um acordo governo a governo para agilizar suporte de longo prazo.

Implicações estratégicas para o Brasil
O EMADS integra radares AESA como o Giraffe, com arquitetura modular "plug-and-play" compatível a redes OTAN via Link 16, protegendo ativos econômicos em SP, a capital federal e fronteiras amazônicas. Essa pivotagem reflete a prioridade por sistemas comprovados em operações NATO, como o Land Ceptor britânico de 2018, em meio a ameaças crescentes de drones e mísseis de precisão na América Latina. Para a indústria brasileira, o negócio impulsiona a soberania via produção local de sensores.

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