Ao longo de 1.250 quilômetros terrestres de front, a tecnologia de
US$ 500 destroça blindados de US$ 5 milhões e transforma conceitos militares
consolidados há 150 anos
*LRCA Defense Consulting - 20/12/2025
Quando o sol nasce sobre a linha de frente terrestre ucraniana, o céu
já está povoado. Não por aviões ou helicópteros, mas por centenas de pequenos
pontos negros que zumbem incessantemente: drones de reconhecimento, drones de
ataque, drones interceptadores. Em dezembro de 2025, após quase quatro anos de
guerra, a Ucrânia e a Rússia travam o que especialistas militares já
classificam como o primeiro conflito entre potências militares próximas
dominado completamente por veículos não tripulados. E os números são assombrosos.
A Ucrânia produziu 800 mil drones em 2023, saltou para 2
milhões em 2024 e planeja fabricar até 5 milhões em 2025. A Rússia, segundo
estimativas de inteligência ocidental, também investe pesadamente na produção
em massa dessas máquinas. O resultado é uma corrida armamentista tecnológica
sem precedentes, onde a inovação se mede em semanas, não em anos, e onde um
dispositivo que custa algumas centenas de dólares pode destruir um tanque de
última geração avaliado em milhões.
O paradoxo: tudo é visto, nada é visível
Esta é uma guerra invisível travada sob vigilância total. Um paradoxo que define o conflito mais transformador desde a Segunda Guerra Mundial.
Invisível porque os soldados desapareceram. Não há mais colunas de tanques reluzentes avançando em formação, nem batalhões marchando em ordem cerrada. Os exércitos se dispersaram em grupos minúsculos de quatro a seis homens, escondidos em posições camufladas que levam horas para serem detectadas. Movem-se à noite, escondem-se durante o dia, tentam desesperadamente permanecer não-detectados por mais alguns minutos, mais algumas horas. A sobrevivência depende de ser invisível.
Invisível porque as batalhas desapareceram. Não há Stalingrados ou Kursk neste conflito. As ações decisivas acontecem em escalas microscópicas: um drone destruindo um veículo de suprimento a três quilômetros da linha de frente, um pequeno grupo infiltrando posições inimigas e eliminando uma equipe de operadores de drones, um ataque de artilharia guiado por satélite contra um depósito de munição. São mil cortes invisíveis que, coletivamente, determinam o destino de nações.
Invisível porque o mundo parou de assistir. Diferentemente dos primeiros meses de 2022, quando cada avanço russo ou contra-ataque ucraniano dominava manchetes globais, a guerra de 2025 ocorre nas sombras da consciência pública internacional. Mas continua tão brutal quanto sempre foi.
E, paradoxalmente, tudo isso acontece sob o olhar constante de milhões de olhos eletrônicos. Drones de reconhecimento pairam incessantemente a altitudes de algumas centenas de metros, câmeras de alta resolução vasculham cada metro quadrado do front, satélites fotografam movimentos de tropas, sensores térmicos detectam o calor de motores e corpos humanos. Nada escapa à vigilância. Tudo é visto. E tudo que é visto tende a ser destruído.
É neste ambiente impossível - onde ser detectado significa morte certa, mas permanecer invisível é quase impossível - que se trava a primeira guerra entre potências militares próximas dominada completamente por veículos não tripulados. E as regras mudaram para sempre.
A zona de morte: onde tudo que se move é destruído
"Qualquer coisa que se mova na zona de cinco a dez
quilômetros ao longo da linha de contato será detectada e provavelmente
atacada", explica um oficial de inteligência ucraniano. Esta faixa, popularmente chamada de "zona de
morte", transformou-se num inferno tecnológico onde os conceitos
tradicionais de guerra foram virados de cabeça para baixo.
Durante a batalha de Avdiivka, no início de 2024, o mundo
assistiu a demonstração brutal dessa nova realidade. Posições fortificadas
ucranianas, que resistiriam por semanas a ataques convencionais, caíram após
dias de bombardeios sistemáticos coordenados por drones. Os veículos não
tripulados localizavam alvos, direcionavam artilharia com precisão cirúrgica e
atacavam diretamente com explosivos quando necessário. As perdas foram
catastróficas para ambos os lados.
As estatísticas confirmam a transformação. Estudos militares
estimam que aproximadamente setenta por cento das baixas neste conflito são
causadas por drones ou por artilharia guiada por drones. É uma proporção sem
paralelo na história militar moderna. Durante a Segunda Guerra Mundial, a
artilharia respondia por cerca de sessenta por cento das baixas, mas não havia
a onipresença da vigilância aérea constante que caracteriza este conflito.
A muralha invisível e as contra-muralhas
Em resposta ao avanço russo no leste, a Ucrânia desenvolveu
um conceito revolucionário: a "Drone Line". Trata-se de corredores
defensivos com até quinze quilômetros de profundidade, onde drones de várias
gerações e funções operam em camadas sobrepostas. Drones de reconhecimento
detectam movimentos, drones de ataque tipo FPV (First Person View) interceptam
veículos, e drones anti-drones caçam os aparelhos inimigos.
O sistema provou-se eficaz em retardar avanços russos em
várias regiões. Interceptadores melhorados ucranianos derrubam drones de ataque
russos em mais de setenta por cento das tentativas, segundo dados militares.
Mas a Rússia não ficou parada.
A resposta russa veio na forma de inovação tecnológica:
drones com fibra óptica. Controlados por um cabo conectado diretamente ao
operador, esses aparelhos são completamente imunes a interferências
eletrônicas, o calcanhar de Aquiles dos drones convencionais. Eles têm alcance
limitado pelo comprimento do cabo, geralmente alguns quilômetros, mas são
praticamente imparáveis uma vez lançados. A Ucrânia, que também passou a utilizá-los, relatou que esses drones
russos agora emboscam veículos de suprimento bem atrás das linhas de frente,
forçando uma dependência crescente de robótica terrestre para logística.
Mais perturbador ainda, formações russas de drones passaram
a priorizar ataques contra equipes de drones ucranianas, forçando operadores a
recuar das posições avançadas. É uma guerra dentro da guerra: drones caçando
operadores de drones.
O fim dos "batalhões": a era dos grupos de infiltração
Se há uma transformação tática que define 2025, é o abandono
das formações convencionais. Desde o verão, a Rússia mudou para táticas de
infiltração usando pequenos grupos de quatro a seis soldados, estratégia
apelidada pelos ucranianos de "tática dos mil cortes". Em vez de
ataques massivos com dezenas de blindados e centenas de soldados, grupos
diminutos se infiltram através da zona cinzenta entre as linhas.
O coronel Andriy Kovalenko, comandante de batalhão ucraniano
no setor de Donetsk, descreve a nova realidade: "Eles não atacam as
primeiras posições que encontram. Infiltram-se mais profundamente, procuram
nossas equipes de drones, atacam postos de comando avançados. De repente, você
tem grupos inimigos operando três quilômetros atrás de suas linhas
oficiais".
Táticas de infiltração com pequenos grupos já haviam sido empregadas na Primeira Guerra Mundial, inclusive pelo então tenente Erwin Rommel, que posteriormente as descreveu em seu livro 'Infanterie greift an' (1937). Na Segunda Guerra Mundial, essas táticas foram adaptadas por unidades especializadas de ambos os lados. Na África do Norte, enquanto Rommel comandava o Afrika Korps alemão, os britânicos da 7ª Divisão Blindada (conhecidos como 'Desert Rats') e unidades especiais como o Long Range Desert Group e o SAS também empregavam táticas de infiltração profunda em território inimigo, atacando instalações na retaguarda. Porém, em ambos os conflitos, tais táticas permaneceram restritas a situações pontuais e, geralmente, a unidades especializadas ou de elite.
Na atualidade da guerra Rússia x Ucrânia, a linha de frente terrestre tornou-se borrada, fragmentada. Há setores
onde a infantaria de ambos os lados mantém posições simultaneamente atrás das
linhas inimigas nominais. A "zona cinzenta" expandiu-se
dramaticamente. E a situação agravou-se pela crise crônica de pessoal que
aflige particularmente a Ucrânia.
Alguns comandantes ucranianos relatam grandes extensões da
frente sem presença de infantaria, mantidas apenas por equipes de drones e
artilharia distante. Quando grupos russos se infiltram nessas áreas, podem
criar um caos desproporcional antes de serem neutralizados. O front ucraniano
agora se estende por quase 1.250 quilômetros, e as forças defendem enfrentando
entre 160 e 190 combates distintos diariamente.
Tanques: obsoletos ou incompreendidos?
"O tanque está morto" tornou-se um refrão comum
entre analistas militares nos últimos dois anos. Os números parecem dar razão a
essa tese. Estimativas indicam que a Rússia perdeu aproximadamente 1.400
tanques e mais de 3.700 veículos blindados apenas em 2024. A Ucrânia alega ter
destruído 1.159 tanques russos desde janeiro de 2025.
Imagens de tanques T-72 e T-80 russos sendo destruídos por
drones FPV que custam menos de mil dólares circulam diariamente nas redes
sociais. Javelins, NLAWs e drones de ataque descendente provaram-se
devastadores contra blindagem convencional. A assimetria é gritante: máquinas
de 45 toneladas e milhões de dólares destruídas por dispositivos que cabem numa
mochila.
Mas declarar o tanque obsoleto seria prematuro. Durante a
ofensiva ucraniana em Kursk, em agosto de 2024, tanques e veículos blindados
pesados foram fundamentais para o sucesso inicial. A chave estava no emprego: o reconhecimento avançado identificava pontos fracos nas defesas russas,
permitindo penetrações rápidas antes que os drones inimigos pudessem reagir
efetivamente. Usados em condições climáticas adversas, quando a eficácia dos
drones é reduzida por chuva e ventos fortes, os tanques ainda demonstram valor
tático.
Tanto Rússia quanto Ucrânia continuam vendo valor no emprego
de blindados. A Ucrânia segue solicitando tanques e veículos blindados dos
países ocidentais. O que mudou não é a relevância do tanque em si, mas a doutrina de emprego. Concentrações massivas de blindados, marca registrada das
doutrinas soviéticas e da OTAN durante a Guerra Fria, tornaram-se convites ao
desastre.
Fortificações líquidas: repensando a defesa estática
A guerra de drones também destruiu pressupostos sobre
fortificações. Em 2025, a Ucrânia descartou doutrinas de defesa da Guerra Fria
para abraçar o que especialistas chamam de "fortalezas líquidas":
dispersas, de baixa observabilidade e altamente móveis.
Em vez de grandes complexos fortificados com centenas de
soldados, as novas posições ucranianas consistem em módulos pequenos,
camuflados intensivamente, conectados por túneis e trincheiras cobertas. A
lógica é simples: se drones podem detectar qualquer coisa, a resposta não é
construir fortalezas maiores, mas tornar-se invisível e disperso.
Cada módulo abriga no máximo uma dezena de soldados. As
posições são projetadas para serem abandonadas e reocupadas rapidamente. A
defesa não é mais sobre segurar território específico a todo custo, mas sobre
infligir perdas insustentáveis ao atacante através de uma rede fluida de pontos
de resistência.
Paradoxalmente, quanto mais a tecnologia avança, mais a
guerra lembra conflitos do século XIX e do início do século XX, mas só em certos aspectos. Trincheiras extensas,
campos minados densos, guerra de posição. Mas com uma diferença crucial: o que
acontece acima dessas trincheiras é radicalmente diferente de qualquer coisa
vista na Primeira Guerra Mundial.
A corrida tecnológica interminável e a criação das Forças de Sistemas Não Tripulados
A cada semana surgem novas inovações. Drones kamikaze com
inteligência artificial que identificam e atacam alvos autonomamente. Sistemas
de guerra eletrônica portáteis que criam bolhas de proteção contra drones
inimigos. Munições vagantes que circulam sobre uma área por horas esperando
pelo alvo ideal. Enxames de drones coordenados que sobrecarregam defesas
atacando simultaneamente de múltiplas direções.
Em junho de 2024, a Ucrânia tomou uma decisão histórica:
estabeleceu as Forças de Sistemas Não Tripulados, o primeiro ramo militar
independente dedicado exclusivamente a drones no mundo. É o equivalente à
criação da Força Aérea como ramo separado no século XX. O sinal não poderia ser
mais claro: drones não são um complemento às forças tradicionais, são uma
dimensão de combate inteiramente nova.
A Rússia, por sua vez, expandiu dramaticamente produção
doméstica e importações de drones, particularmente drones iranianos Shahed-136
usados para ataques em profundidade contra infraestrutura ucraniana. A Rússia recebeu milhares desses drones e estabeleceu linhas de
produção licenciadas em território russo.
O preço humano da guerra industrial
Em meio à fascinação tecnológica, os números humanos são
brutais. Estimativas ocidentais sugerem que a Rússia atingirá a marca de 1
milhão de baixas até meados de 2025. A Ucrânia não divulga números oficiais de
perdas, mas observadores independentes estimam dezenas de milhares de mortos e
centenas de milhares de feridos.
A natureza dos ferimentos também mudou. Médicos militares
relatam um aumento dramático em amputações traumáticas causadas por drones
explosivos. Diferentemente de projéteis de artilharia tradicionais, que
frequentemente matam instantaneamente, drones FPV carregam cargas menores que
causam ferimentos devastadores mas não necessariamente letais. Hospitais
militares ucranianos e russos estão repletos de soldados jovens enfrentando
amputações múltiplas.
O trauma psicológico é outro aspecto pouco discutido. A
onipresença de drones cria uma sensação de vigilância constante que corrói a
moral. Soldados relatam que o som característico dos drones quadricópteros
causa reações de pânico mesmo em veteranos experimentados. Diferentemente da
artilharia, que ataca em salvas e depois cessa, os drones estão sempre lá,
sempre observando, sempre prontos para atacar.
Lições para o Brasil e para o mundo
O conflito na Ucrânia é observado intensamente por militares
do mundo inteiro. Taiwan estuda as táticas ucranianas de drones contra
blindados pensando numa possível invasão chinesa. A OTAN revisou completamente
suas doutrinas de combate mecanizado. A China acelerou desenvolvimento de
contra-drones e sistemas de guerra eletrônica.
O general Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto dos
EUA, declarou em entrevista recente: "O que estamos vendo na Ucrânia é o
futuro da guerra. Qualquer exército que não esteja se preparando para combate
dominado por drones estará obsoleto em uma década."
Mas há uma ressalva importante: este é um conflito entre
adversários com capacidades tecnológicas relativamente próximas. Contra um
inimigo com superioridade aérea total e capacidades avançadas de guerra
eletrônica, muitas dessas táticas podem não funcionar. Os drones ucranianos e
russos operam num ambiente onde nenhum lado controla completamente o espectro
eletromagnético ou o espaço aéreo acima de dez mil pés. Contra os Estados
Unidos ou China, o cenário seria radicalmente diferente.
Ainda assim, as lições são claras: concentração massiva de
forças tornou-se suicida; detectabilidade é sinônimo de vulnerabilidade;
adaptação rápida vale mais que equipamento sofisticado; e a produção industrial
em massa de tecnologia relativamente simples pode superar sistemas de armas
complexos e caros.
Um conflito sem fim à vista
Apesar das perdas catastróficas, nenhum avanço estratégico
significativo ocorreu em 2025. Objetivos russos como a cidade de Pokrovsk
permanecem em mãos ucranianas. Ambos os lados agora operam ao longo de linhas
de frente extensamente fortificadas com densos campos minados, sistemas de
trincheiras, obstáculos anti-blindagem e posições de artilharia fortificadas. É
uma guerra de atrito tecnológico onde a vantagem pertence a quem consegue
sustentar produção e perdas por mais tempo.
O tenente-coronel Viktor Shevchenko, analista militar
ucraniano, resume sombriamente: "Antes, guerras eram decididas por grandes
batalhas. Agora, são decididas por linhas de produção. Quem conseguir fabricar
mais drones, mais munição, mais equipamento simples mas eficaz, vencerá. E isso
pode levar anos."
Enquanto isso, nos céus sobre a linha de frente, milhões de
pequenos pontos negros continuam zumbindo. Observando. Esperando. Atacando.
Redefinindo o que significa fazer guerra no século XXI.
Nota do Editor: esta reportagem foi elaborada com
base em fontes abertas de inteligência militar, relatórios de organizações de
pesquisa em defesa e análises de especialistas independentes. Informações sobre
táticas específicas foram deliberadamente mantidas em nível geral para não
comprometer a segurança operacional.