*LRCA Defense Consulting - 12/12/2025
A administração Trump surpreendeu o mercado aeroespacial em junho de 2025 ao lançar o eVTOL Integration Pilot Program (eIPP), um ambicioso programa que visa colocar os Estados Unidos na vanguarda da mobilidade aérea urbana até as Olimpíadas de Los Angeles em 2028. A iniciativa, que já atraiu mais de US$ 850 milhões em novos investimentos privados, promete revolucionar o transporte nas cidades americanas com aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical.
Embora o programa priorize explicitamente empresas americanas, a Eve Air Mobility, subsidiária da brasileira Embraer com sede operacional em Melbourne, Flórida, pode se beneficiar significativamente dessa maré de investimentos e desenvolvimento regulatório que está transformando o setor.
O Programa Trump: ambição olímpica
O eVTOL Integration Pilot Program estabelece um prazo
audacioso de três anos para demonstrações públicas durante os Jogos Olímpicos
de 2028. O governo federal selecionará pelo menos cinco projetos piloto, com o
requisito obrigatório de que utilizem aeronaves e tecnologias desenvolvidas por
entidades sediadas nos Estados Unidos.
A resposta do mercado foi imediata. A Archer Aviation, uma das favoritas para participar do programa, captou US$ 850 milhões adicionais logo após o anúncio presidencial. A empresa californiana já garantiu acordo exclusivo para operações durante as Olimpíadas, uma vitrine global que pode valer bilhões em contratos futuros.
"Esta é uma oportunidade geracional para os Estados
Unidos liderarem a próxima revolução no transporte", declarou o presidente
Trump durante o anúncio, enfatizando seu desejo de ver eVTOLs "construídos
na América".
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Eve: entre dois mundos
A posição da Eve Air Mobility neste novo cenário é
simultaneamente privilegiada e delicada. Fundada em outubro de 2020 como
spin-off da Embraer e listada na Bolsa de Nova York desde 2022, a empresa opera
em uma zona cinzenta da elegibilidade para o programa Trump.
Por um lado, a Eve mantém sede operacional nos Estados Unidos, com escritórios em Melbourne, Flórida, no endereço 1400 General Aviation Drive. A empresa também está listada na NYSE sob o código EVEX, o que lhe confere status de companhia americana de capital aberto.
Por outro lado, a Eve permanece subsidiária da Embraer, gigante aeroespacial brasileira, e planeja capacidade de produção de 480 unidades anuais em quatro plantas localizadas em Taubaté, no Brasil. Esta configuração cria ambiguidade sobre se a empresa seria considerada "entidade sediada nos Estados Unidos" para fins do programa federal.
"A interpretação do Departamento de Transportes será crítica", explica um analista do setor que preferiu não se identificar. "Se privilegiarem a sede legal e operacional, a Eve está dentro. Se focarem em origem e manufatura, fica complicado."
Portfolio robusto apesar da incerteza
Independentemente da elegibilidade direta no programa Trump,
a Eve Air Mobility chega a este momento com credenciais impressionantes. Até
março, a empresa acumulava contratos para 2.850 pedidos de eVTOLs,
representando um backlog de US$ 8 bilhões provenientes de 30 clientes em 13
países.
Entre esses clientes está a United Airlines, que investiu US$ 15 milhões na Eve e fez pedido condicional de até 400 aeronaves - 200 firmes e 200 opcionais. Esta parceria estratégica com uma das maiores companhias aéreas americanas pode ser o atalho da Eve para participação indireta no programa federal, já que a United demonstrou interesse em integrar eVTOLs em suas operações domésticas.
No front regulatório, a Eve mantém meta de entrada em serviço para 2027. A agência brasileira ANAC publicou os critérios finais de aeronavegabilidade em novembro de 2024 e sinalizou intenção de acelerar a certificação para 2026. Simultaneamente, a empresa formalizou processo de validação de Certificado de Tipo com a FAA americana, buscando aprovação bilateral que lhe permita operar nos dois maiores mercados das Américas.
Os benefícios indiretos: uma maré que impulsiona todos os
barcos
Mesmo sem garantia de participação direta no programa
piloto, analistas identificam pelo menos quatro vetores através dos quais a
iniciativa Trump deve beneficiar a Eve Air Mobility.
1. Aceleração regulatória
O programa direciona explicitamente a FAA a agilizar
aprovações e criar novos frameworks de certificação para eVTOLs.
Tradicionalmente, o processo de certificação de novas aeronaves pela FAA pode
levar uma década ou mais. Com a pressão presidencial para demonstrações
funcionais até 2028, a agência está sendo forçada a modernizar e acelerar seus
procedimentos.
"Qualquer empresa buscando certificação FAA se beneficia quando a agência se torna mais ágil", observa um consultor aeroespacial. "A Eve já está em processo de validação simultânea com FAA e ANAC. Uma FAA mais rápida significa entrada mais rápida no mercado americano, independentemente de quem participa do programa piloto."
2. Infraestrutura compartilhada
O programa está catalisando investimentos maciços em
infraestrutura de solo para eVTOLs. Estados como Michigan já estão instalando
redes de carregadores em aeroportos. Cidades estão planejando vertiportos - os
equivalentes de heliponto para as novas aeronaves elétricas.
Esta infraestrutura, uma vez construída com dinheiro público e privado para atender participantes do programa Trump, estará disponível para todos os operadores certificados. É um clássico caso de externalidade positiva: a Eve poderá usar vertiportos e estações de carregamento financiados para beneficiar seus concorrentes.
3. Validação de mercado
O foco nas Olimpíadas de 2028 criará uma vitrine global sem
precedentes para a tecnologia eVTOL. Milhões de espectadores ao redor do mundo
verão as aeronaves em operação real, transportando atletas, oficiais e
espectadores pelos céus de Los Angeles.
Demonstrações bem-sucedidas por empresas como Archer e Joby durante os Jogos terão efeito legitimador para o setor como um todo. O ceticismo de investidores e potenciais clientes - ainda significativo em relação a carros voadores - será reduzido não apenas para os participantes diretos, mas para todas as empresas oferecendo tecnologia similar.
"Se funcionar bem em Los Angeles, CEOs no mundo todo vão querer eVTOLs para suas cidades", prevê um analista de mercado. "E terão múltiplas opções de fornecedores certificados para escolher, incluindo a Eve."
4. Expansão via parceiros estratégicos
A United Airlines, parceira estratégica da Eve, também
manifestou interesse em participar do programa piloto, provavelmente operando
aeronaves Archer inicialmente. Se a companhia aérea expandir suas operações
eVTOL através do programa federal, isso pode criar demanda adicional por
aeronaves Eve em rotas complementares ou em outras cidades fora do programa
piloto.
Grandes operadores como United tipicamente preferem diversificação de fornecedores para evitar dependência excessiva de um único fabricante. O sucesso inicial com um fornecedor no programa Trump pode, paradoxalmente, abrir portas para fornecedores alternativos como a Eve em expansões subsequentes.
Os riscos: vantagem do primeiro a se mover
Nem tudo são flores no cenário criado pela iniciativa
presidencial. A priorização explícita de fabricantes americanos pode criar
vantagens competitivas difíceis de superar para a Eve.
Archer e Joby, ambas californianas e participantes confirmadas do programa, receberão apoio governamental substancial e visibilidade incomparável durante as Olimpíadas de 2028. A Archer já garantiu acordo exclusivo para os Jogos. Essas empresas chegarão ao mercado com operações comprovadas, dados de voo reais e o imprimatur do governo federal.
O timing também preocupa. Archer e Joby esperam certificação FAA até o final de 2025 ou início de 2026, potencialmente chegando ao mercado americano um ou dois anos antes da Eve, cuja meta é 2026-2027. Em mercados de tecnologia emergente, a vantagem do primeiro a se mover pode ser determinante.
Há ainda o fator do nacionalismo econômico. A ênfase retórica em produtos "Made in America" pode criar barreiras informais mesmo após a certificação. Contratos governamentais, compras de órgãos públicos e até preferência de consumidores podem favorecer fabricantes percebidos como puramente americanos.
Estratégias para navegar o novo cenário
Diante deste quadro complexo de oportunidades e riscos,
especialistas apontam cinco estratégias que a Eve deveria considerar para
maximizar os benefícios da iniciativa Trump:
- Clarificação imediata: engajar proativamente com o Departamento de Transportes para esclarecer critérios de elegibilidade e potencialmente qualificar-se para o programa com base na sede operacional em Melbourne, Flórida.
- Hedge de manufatura: considerar estabelecer capacidade de montagem final nos Estados Unidos, mesmo que os principais componentes venham do Brasil. Isso atenderia possíveis requisitos de conteúdo nacional em contratos futuros.
- Alavancagem de parceiros: intensificar colaboração com United Airlines e outros parceiros americanos que podem servir como veículos indiretos de participação, operando aeronaves Eve com apoio federal mesmo que a empresa não participe diretamente do programa.
- Aceleração de certificação: aproveitar o momentum criado pelo programa Trump para pressionar por validação FAA mais rápida, capitalizando na urgência da agência para demonstrar resultados até 2028.
- Marketing diferenciado:pPosicionar-se como alternativa "hemisférica ocidental" versus competição asiática ou europeia, enfatizando décadas de cooperação aeroespacial entre Estados Unidos e Brasil e o histórico da Embraer no mercado americano.
Otimismo cauteloso
O programa eVTOL de Trump representa um divisor de águas
para a mobilidade aérea urbana nos Estados Unidos. Com US$ 850 milhões já
mobilizados e o prestígio das Olimpíadas de 2028 em jogo, o setor de carros
voadores está prestes a decolar de forma literal e figurada.
Para a Eve Air Mobility, a iniciativa é primariamente uma "maré alta que impulsiona todos os barcos" - uma expressão do mercado financeiro que descreve situações onde todos os participantes de um setor se beneficiam de condições favoráveis. Aceleração regulatória, desenvolvimento de infraestrutura e validação de mercado beneficiarão todas as empresas certificadas, independentemente de participação direta no programa federal.
No entanto, as vantagens serão assimétricas, favorecendo fabricantes puramente americanos como Archer e Joby. A Eve precisará navegar habilmente esta nova realidade, usando sua sede em Flórida, suas parcerias estratégicas e o prestígio técnico da Embraer para conquistar seu espaço no céu americano.
Com um backlog de US$ 8 bilhões e alguns dos principais operadores do mundo já como clientes, a empresa brasileira-americana tem fundamentos sólidos. A questão agora é transformar oportunidades indiretas em participação de mercado concreta quando os carros voadores finalmente levantarem voo sobre as cidades americanas.
A corrida está apenas começando, e Los Angeles 2028 será o primeiro grande teste. Para a Eve, o desafio é garantir que, mesmo não sendo estrela principal do show olímpico, consiga um papel importante nos atos seguintes da revolução da mobilidade aérea urbana.







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