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14 maio, 2023

Taurus e CBC no rumo da Arábia Saudita

Forças armadas da Arábia Saudita vistas durante um exercício de treinamento (Ahmed Farwan/Flickr)

*LRCA Defense Consulting - 14/05/2023

Nas duas recentes matérias linkadas abaixo, esta Consultoria deixou claro que a Arábia Saudita poderá se tornar um dos mais importantes parceiros brasileiros no Setor de Defesa, com ênfase inicial nas empresas CBC e Taurus Armas, mas que também poderá abranger outras, como Akaer, Avibras, Condor, Embraer, Kryptus e SIATT.

- "Taurus poderá fechar importante negócio na Arábia Saudita e Emirados"

- "Arábia Saudita está priorizando a cooperação militar-industrial com o Brasil?"

Assim, para que seja melhor entendido o que significa esse país em termos de mercado de defesa para os produtos brasileiros, a LRCA Defense Consulting realizou um levantamento sobre aspectos importantes da Arábia Saudita, especialmente aqueles que podem determinar os negócios em andamento com a CBC e com a Taurus Armas, haja vista tudo indicar que estejam próximos de um desenrolar bastante promissor.

Gastos com Defesa
Historicamente, a Arábia Saudita gasta, em média, 6% a 7% do PIB ao ano, ou seja, algo próximo a 80 bilhões de dólares com seu setor de defesa. Somente os gastos recorrentes com armas e munições, perfazem um total estimado de US$ 1 bilhão por ano. Tais números tornam o país um dos que mais investem em defesa.

Efetivos militares e de segurança
As Forças Armadas da Arábia Saudita têm um efetivo total de cerca de 258.000 integrantes ativos, sendo aproximadamente 125.000 sob o Ministério da Defesa e Aviação, dos quais 75.000 nas Forças Terrestres, 15.000 nas Forças Navais (incluindo cerca de 3.000 fuzileiros navais) e 35.000 na Força Aérea, Defesa Aérea e Forças de Mísseis Estratégicos. Além disso, há 130.000 militares na Guarda Nacional (SANG).

A Guarda Nacional, também conhecida como Exército Branco, é uma força terrestre separada do Ministério da Defesa, e é responsável pela segurança interna, proteção da família real e ameaças externas.

A Guarda Real é uma estrutura separada das Forças Armadas cuja principal responsabilidade é a segurança e proteção da família real saudita. A Guarda Real também fornece segurança e proteção às delegações e autoridades convidadas durante as visitas oficiais ao Reino.

A Guarda Nacional, a Guarda Real e a Guarda de Fronteira estão sob a tutela do Ministério da Guarda Nacional.

As funções de polícia, investigações e manutenção de ordem pública são de responsabilidade do Ministério do Interior, estando sob seus cuidados as forças de segurança especiais e as forças de proteção às infraestruturas (refinarias de petróleo, portos, aeroportos). São cerca de 50.000 policiais, equipados com armas leves e recrutados em todas as regiões do Reino.

Em 2017, através de um decreto real, foi criada a Presidency of State Security (PSS), um órgão de segurança que combina os serviços de contraterrorismo e inteligência doméstica sob um mesmo comando. A PSS é responsável pelos assuntos relacionados à segurança de estado e é supervisionada pelo rei. Os integrantes da PSS são oriundos das demais forças de segurança e agências existentes.

O serviço militar não é obrigatório na Arábia Saudita. Em 2018, as mulheres foram autorizadas a se alistar nas forças armadas. No entanto, seus trabalhos não envolviam combate, mas lhes davam a oportunidade de trabalhar na segurança e no controle de passaportes. No ano seguinte, foi permitido às mulheres ingressar nas forças armadas como combatentes e, em 2021, as primeiras recrutas do país se formaram no Centro de Treinamento de Quadros Femininos das Forças Armadas.

A mudança para permitir que mulheres entrassem no exército saudita veio como parte da iniciativa Visão 2030 do reino, que busca reformar quase todos os aspectos da vida e do governo. Um aspecto é o empoderamento das mulheres e a igualdade de gênero em todos os campos.

Fabricação local de armamento leve e sua munição
A Military Industries Corporation (MIC) é uma empresa estatal fundada em 1953 e controlada pelas Forças Terrestres, sob a tutela do Ministério da Defesa. Em 2017, a MIC tornou-se uma subsidiária da Saudi Arabian Military Industries (SAMI), após a criação desta. Por mais de vinte anos, as empresas europeias tiveram forte influência e acesso ao mercado local, estabelecendo parcerias com a MIC para fabricação de armas leves (H&K) e munições de pequenos calibres (a FN montou diversas linhas na MIC). Porém, pelo passado recente de decisões dos governos europeus contrárias aos interesses sauditas, o governo local tem procurado outros fabricantes que possam minimizar o risco de não-fornecimento e acesso à tecnologia através de ToT (Transfer of Technology) e ToP (Transfer of Production) (saiba mais abaixo).

Processo de aquisições de armamentos e de estabelecimento de parcerias
Em 2017, foi criada a GAMI - General Authority for Military Industries (Autoridade Geral das Indústrias Militares), uma entidade governamental criada pelo Conselho de Ministros. A GAMI é a autoridade para as indústrias militares e para a centralização de aquisição de produtos de defesa, sendo o órgão regulador do setor e o principal fomentador das indústrias militares sauditas.

Cabe à GAMI desempenhar um papel fundamental na consecução das metas estabelecidas pelo plano desenvolvimentista denominado Visão 2030, que inclui uma meta de nacionalizar mais de 50% dos gastos militares do país até 2030.

A GAMI é responsável por orientar o setor das indústrias militares, estabelecendo seus regulamentos, monitorando seu desempenho, desenvolvendo os recursos necessários e gerenciando a aquisição militar (sistemas militares, equipamentos e serviços para todas as entidades militares) para garantir o crescimento e a sustentação das indústrias militares locais.

O mandato do GAMI abrange tanto as entidades de defesa como de segurança e, em matéria de aquisições/parcerias, inclui:
• Planejamento de aquisições militares com base na estratégia de defesa nacional aprovada.
• Definição de políticas necessárias para desenvolver o setor de aquisição e indústria militar.
• Definição de legislação para regular o setor da indústria militar.
• Desenvolvimento de padrões da indústria militar local.
• Participação nos testes e aprovação de produtos e serviços militares.
• Aprovação das aquisições de equipamentos e gerenciamento de contratos.
• Participação na discussão do planejamento orçamentário com o Ministério das Finanças.
• Participação na qualificação e certificação de fabricantes locais e internacionais.
• Estímulo a parcerias estratégicas com os setores público e privado, em termos nacionais e internacionais.

Em síntese, é a GAMI que pode definir os padrões e centralizar todo o processo de aquisição e de parcerias das forças militares e de segurança no Reino, otimizando os recursos e estimulando a indústria local.

Mercado saudita para armamento leve e munições
O armamento leve padrão presente nas Forças Terrestres, Força Aérea, Marinha e Defesa Antiaérea & Forças de Mísseis Estratégicos inclui os seguintes modelos e marcas:

1) Pistolas: FN (High Power), SIG Sauer (P226), Heckler & Koch (H&K P9) e Glock (17 e 19) são as fabricantes mais presentes nas FFAA e forças de segurança. O calibre padrão é 9mm. Há dezenas de outros fabricantes e plataformas em uso, uma vez que, até um passado recente, cada usuário poderia definir sua compra. O calibre de escolha, em geral, é o 9mm Parabellum. Não há produção local de pistolas.

2) Fuzis de Assalto/Carabinas: H&K G3 (fabricado localmente sob licença alemã, porém a unidade está atualmente inoperante e obsoleta), H&K G36 (fabricado localmente sob licença alemã), H&K 33E, FN SCAR-H, FN P90, FN FAL, Kalashnikov (AKM, AKMS e AK 103; este último é fabricado sob licença e amplamente empregado pelo Joint Forces, em operações no conflito ao sul do país), Colt M16A2, Colt M4 e Steyer AUG A3. O calibre padrão é 7,62x51mm para os fuzis (exceto para os Kalashnikov, que usam o 7,62x39mm) e 5.56x45mm para as carabinas e M16.

3) Submetralhadoras: H&K MP5 (era fabricada localmente sob licença alemã, mas a unidade está hoje inoperante e obsoleta) e Beretta M12. O calibre padrão é 9mm.

4) Munições para armas leves: o país produz munições para os calibres 9x19mm (pistolas e submetralhadoras), 5.56x45mm (carabinas e M16) e 7.62x51mm (fuzis de assalto, exceto os AK).

A informação mais relevante é que o governo alemão, país de origem das armas Heckler & Koch, não autorizou a renovação da licença de fabricação e, portanto, a MIC somente poderá fabricar armas enquanto durarem os estoques de peças e matéria-prima. De forma semelhante, a empresa belga FN Herstal também está impossibilitada de realizar novas vendas ou produção no país, uma vez que o parlamento belga, seguindo a decisão do governo alemão, cerceou o acesso saudita às armas e munições leves fabricadas pelas empresas de seu país.

Em resumo, além de não haver produção local de pistolas,  a Arábia Saudita não conseguirá manter sua produção de fuzis de assalto, carabinas e submetralhadora, haja vista as questões políticas e geopolíticas envolvidas.

A estimativa é de que, nos próximos três anos, o mercado potencial somente de pistolas 9mm seja de 30 a 50 mil armas por ano e de 20 a 30 mil fuzis de assalto e carabinas por ano - podendo tais números serem majorados caso um fabricante internacional se estabeleça no país, passando então a ter o apoio e fomento do governo saudita, haja vista que a GAMI oferece preferência de compra ao material produzido localmente.

Não está inserida nessas estimativas o consumo anual do mercado civil de pistolas 9mm, que não é muito expressivo, perfazendo aproximadamente 5 mil armas por ano.

Pelo que esta Consultoria levantou, a ideia dos sauditas é, além do mercado local, explorar oportunidades no mercado externo, principalmente nos países em que possui forte influência política e/ou econômica.

Assim, embora a motivação inicial da CBC e da Taurus possa ser a de fornecer seus produtos para um dos maiores compradores de armas do mundo, o fato de poderem usar a Arábia Saudita como base de exportação para mercados hoje inacessíveis para ambas, é uma estratégia excelente.

Porém, é preciso deixar claro que a disputa não é fácil, pois a concorrência é grande e envolve empresas conceituadas com forte presença no mundo, como Beretta, SIG Sauer, Colt, Glock e outras. Acredita-se, no entanto, que a CBC e a Taurus poderão oferecer o mais amplo e completo pacote de ToT (Transfer of Technology) e/ou ToP (Transfer of Production), enquanto boa parte das demais esteja sujeita a algum grau de “controle governamental” que lhes limita a necessária flexibilidade negocial.

Significado e diferenças entre ToT e ToP
Para ilustrar os interessados sobre o que significam e as diferenças entre os dois termos acima, esta Consultoria preparou uma síntese do que sejam a ToT e a ToP.

A ToT - Transfer of Technology (Transferência de Tecnologia) e a ToP - Transfer of Production (Transferência de Produção) são dois processos diferentes que envolvem a transferência de conhecimento e/ou recursos entre duas empresas.

A Transfer of Technology envolve a transferência de conhecimento técnico e tecnológico de uma empresa para outra. Isso pode incluir patentes, direitos autorais, know-how, softwares, tecnologias de produção e outros tipos de propriedade intelectual. Muitas vezes é utilizada para permitir que uma empresa adquira novas habilidades, conhecimentos e capacidades para inovar ou melhorar seus processos e produtos.

Por outro lado, a Transfer of Production é um processo em que uma empresa decide mudar a localização geográfica da produção de seus bens ou serviços de um país para outro. Essa transferência pode ocorrer por uma variedade de razões, como a busca por custos mais baixos de mão de obra, a presença de incentivos fiscais em outra região, a necessidade de expandir a presença da empresa em outros mercados, entre outros fatores.

Assim, a Transfer of Production envolve a transferência da produção de bens ou serviços de uma empresa para outra. Isso pode incluir a transferência de linhas de produção, maquinário, instalações, pessoal e outros recursos necessários para a produção de um produto.

Portanto, enquanto a Transfer of Technology envolve a transferência de conhecimento técnico e tecnológico, a Transfer of Production envolve a transferência da produção de bens ou serviços. Ambos os processos podem ter um impacto significativo na capacidade da empresa de competir e inovar em seu setor de atuação.

Em alguns casos, ToT e ToP podem ser combinadas. Por exemplo, uma empresa pode licenciar uma tecnologia de outra empresa e depois mudar a produção do produto para um país com custos mais baixos. Nesse caso, a empresa está transferindo tecnologia e movendo a produção. Ao usar essas ferramentas de forma eficaz, as empresas podem melhorar sua competitividade e lucratividade.

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