Tensões comerciais entre EUA e Índia criam oportunidade
sem precedentes para a aviação militar brasileira, com C-390 Millennium
emergindo como favorito em programa estratégico indiano
*LRCA Defense Consulting - 31/08/2025
As relações comerciais globais, percebidas por alguns como um domínio distante da alta política, demonstram, muitas vezes, um impacto direto e profundo em setores estratégicos, como o da
defesa. Recentemente, uma série de eventos desencadeados por medidas tarifárias
americanas contra a Índia abriu uma janela de oportunidade sem precedentes para
a indústria de defesa brasileira, mais precisamente para a Embraer, no que pode
se tornar o maior contrato de exportação militar da história do Brasil,
avaliado em até US$ 5 bilhões.
O estopim das tensões
comerciais: um tarifaço que ecoa na defesa
Em agosto de 2025, os Estados
Unidos impuseram tarifas de 50% sobre as exportações indianas, uma medida
protecionista que afetou cerca de US$ 48,2 bilhões em bens, com consequências
severas para setores intensivos em mão de obra na Índia, como têxteis (US$ 12,8
bilhões), pedras preciosas (US$ 9,4 bilhões) e produtos farmacêuticos (US$ 8,1
bilhões). A repercussão não se limitou à economia: a Índia, em um ato de
retaliação e buscando reafirmar sua soberania econômica e estratégica,
suspendeu imediatamente aquisições militares dos EUA.
Ajay Srivastava, fundador do
Global Trade Research Initiative, já havia alertado para o impacto
significativo dessas tarifas: “Ameaça a presença estabelecida da Índia nos
EUA, podendo causar desemprego significativo e enfraquecer o papel do país na
cadeia de valor industrial global”. Esta declaração ressoa com a gravidade
da situação, que forçou Nova Deli a reconsiderar suas parcerias estratégicas em
defesa.
A resposta indiana:
autossuficiência e busca por novos parceiros
A reação indiana foi rápida e
decisiva. O Ministério da Defesa suspendeu contratos militares com os EUA que
totalizavam US$ 7,1 bilhões, abrangendo veículos de combate Stryker (US$ 2,8
bilhões), aeronaves Boeing P-8I (US$ 3,1 bilhões) e mísseis antitanque Javelin
(US$ 1,2 bilhões). A decisão não foi meramente econômica, mas estratégica.
Rajnath Singh, Ministro da Defesa indiano, enfatizou a nova diretriz do país: “As
recentes tensões comerciais reforçaram nossa determinação em alcançar
autossuficiência em defesa, priorizando parceiros que apoiem genuinamente nossa
visão de ‘Make in India’”.
Essa declaração é um divisor de
águas, sinalizando uma reorientação da política de defesa indiana, que busca, agora
com maior ênfase, fornecedores alinhados com sua agenda de produção local e transferência
de tecnologia, elementos cruciais para a consolidação de sua própria Base
Industrial de Defesa.
O C-390 Millennium na
vanguarda: uma vantagem técnica decisiva
Nesse cenário de realinhamento,
o programa Medium Transport Aircraft (MTA) da Força Aérea Indiana, que visa
substituir aeronaves soviéticas obsoletas como o An-32 e o Il-76 por 40 a 80
unidades modernas, tornou-se o epicentro de uma disputa de bilhões. E é aqui
que o C-390 Millennium da Embraer emerge como o favorito.
Uma análise aprofundada das
especificações técnicas revela a superioridade do C-390 em um requisito que se
mostrou eliminatório para seu principal concorrente, o C-130J Super Hercules
americano. A inclusão do requisito de transportar o novo tanque leve Zorawar,
com 25 toneladas, concedeu ao C-390 uma vantagem crucial, visto que ele possui
uma capacidade de carga de 26 toneladas, enquanto o C-130J limita-se a 20
toneladas e é incapaz de realizar tal transporte. Além da capacidade de carga
superior, o C-390 oferece, entre outras vantagens significativas, uma velocidade operacional 40% maior e um custo
operacional 41% menor. Esta Consultoria estima que a combinação
de fatores técnicos, econômicos e geopolíticos coloca a probabilidade de
vitória brasileira na disputa entre 85% e 90%.

A estratégia
brasileira: financiamento e parceria local
A oportunidade para a Embraer
não se baseia apenas na excelência técnica de sua aeronave. O suporte
governamental brasileiro e a estratégia de parcerias locais têm sido
fundamentais. Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, confirmou as negociações
avançadas e a disposição do banco em financiar a operação indiana, tendo já
aprovado R$ 1,1 bilhão para exportações recentes da Embraer. Essa postura ativa
do BNDES é um diferencial competitivo significativo, demonstrando o compromisso
do Brasil em apoiar a empresa no mercado global.
Adicionalmente, a parceria
estratégica entre a Embraer e a Mahindra Defence Systems, estabelecida em 2024,
alinha-se perfeitamente com a iniciativa indiana “Make in India”. Essa
colaboração oferece a perspectiva de produção local com transferência de
tecnologia, criação de empregos qualificados na Índia, redução de custos
através da manufatura doméstica e, crucialmente, autonomia estratégica para
futuras aquisições. É um modelo de negócio que atende às novas prioridades da
Índia por diversificação e autossuficiência.
Reconfiguração
geopolítica e o fortalecimento do BRICS
As tarifas americanas, embora
impostas com o objetivo de proteger interesses domésticos, catalisaram um
realinhamento geopolítico mais amplo. Rajesh Kumar, analista sênior do Observer
Research Foundation, observou que “As tarifas dos EUA criaram uma
oportunidade única para países como Brasil, França e Suécia expandirem sua
presença no mercado indiano de defesa”. A Índia, de fato, implementou novos
critérios de seleção que priorizam estabilidade política comercial,
transferência genuína de tecnologia, parcerias de produção local e
diversificação de riscos de fornecimento.
Esse cenário também tem
impactado as relações EUA-Índia, historicamente próximas. Ashley Tellis,
especialista da Carnegie Endowment, alertou para “Uma ruptura fundamental na
parceria estratégica que levou décadas para ser construída”. A participação
indiana no Quad (EUA, Japão, Austrália, Índia) enfrenta tensões, com diplomatas
indianos indicando que a cooperação em segurança não pode ser refém de
disputas comerciais unilaterais.
Nesse contexto, o
fortalecimento do BRICS ganha relevância. O presidente do Brasil declarou que os países do bloco “Não aceitam as reclamações dos EUA
sobre suas políticas comerciais”, sinalizando apoio direto à posição
indiana e reforçando as bases para parcerias estratégicas alternativas que
minimizem a dependência de potências ocidentais tradicionais.
Projeções econômicas e
o cronograma da decisão
Do ponto de vista econômico, o
Reserve Bank of India estima que as tarifas terão um impacto negativo de 0,3% a
0,5% no crescimento do PIB indiano em 2025-2026, com uma redução de 12% a 15%
nas exportações para os EUA até 2026. No entanto, prevê-se um aumento de 25% a
30% na diversificação comercial para outros mercados, apesar da potencial perda
de 800.000 postos de trabalho em setores afetados.
O cronograma para a decisão do
MTA é promissor para a Embraer. A abertura da subsidiária da empresa na Índia
já foi confirmada para o segundo semestre de 2025. O lançamento oficial do
processo licitatório do MTA é esperado para o quarto trimestre de 2025, com
alta probabilidade (80%). A decisão final da Força Aérea Indiana é aguardada
entre o segundo e terceiro trimestres de 2026, com o C-390 mantendo sua posição
de favorito (85-90%). A assinatura do contrato, por sua vez, dependerá dessa
decisão e está projetada para o quarto trimestre de 2026.
Implicações para a Base Industrial de Defesa Brasileira
O sucesso no programa MTA pode
ser um catalisador de transformações significativas para a Base Industrial de
Defesa e Segurança (BIDS) brasileira. Representa a consolidação da Embraer como
um player global em transporte militar, abrindo novos mercados na região
Indo-Pacífico e atraindo investimentos para o setor aeroespacial nacional. Mais
do que isso, demonstra a capacidade brasileira em competir com gigantes
americanos e europeus.
Os efeitos multiplicadores para
o Brasil são substanciais: criação de empregos diretos e indiretos na cadeia
aeroespacial, aumento das exportações de alta tecnologia, fortalecimento da
marca Brasil no segmento de defesa e diversificação geográfica das receitas da
Embraer. Chandrajit Banerjee, diretor-geral da Confederation of Indian
Industry, afirmou que “As tarifas americanas, embora desafiadoras, estão
acelerando nossa transição para uma economia menos dependente de um único
mercado”. Essa aceleração cria um terreno fértil para parcerias com países
como o Brasil.

Riscos e desafios no
horizonte
Apesar do cenário amplamente
favorável, existem riscos e fatores de incerteza a serem considerados. Richard
Rossow, do Center for Strategic and International Studies, alertou que “As
tarifas podem empurrar a Índia para uma órbita comercial mais próxima da China
e da Rússia, contrariando os interesses estratégicos americanos”. Isso pode
resultar em pressões diplomáticas americanas sobre parceiros da Índia,
complicando as relações Brasil-EUA e interferindo em negociações comerciais
futuras.
Além das pressões diplomáticas,
variáveis como mudanças na política externa indiana, a entrada de novos
concorrentes ou alterações inesperadas nos
requisitos técnicos do programa podem influenciar o resultado final. A pressão
interna na Força Aérea Indiana também é um fator a ser monitorado.
Uma oportunidade
histórica que redefine o panorama da defesa global
As tarifas impostas pelos
Estados Unidos à Índia, embora controversas em sua gênese, inadvertidamente
abriram uma janela de oportunidade histórica para a indústria aeroespacial
brasileira. A convergência da superioridade técnica do C-390 Millennium, um contexto
geopolítico favorável e o robusto suporte financeiro do BNDES posicionam o
Brasil de forma única para conquistar um dos maiores contratos de exportação
militar de sua história.
A decisão indiana, aguardada
para 2026, transcende a simples escolha de uma aeronave. Ela representa um
marco na reconfiguração das alianças estratégicas globais, à medida que países
buscam maior autonomia e diversificação em suas cadeias de suprimentos de
defesa.
Para o Brasil, o sucesso no programa MTA pode não apenas consolidar a
Embraer como uma alternativa viável aos tradicionais fornecedores americanos e
europeus, mas também estabelecer as bases para uma presença duradoura e
estratégica no promissor mercado de defesa asiático.
O próximo ano será
decisivo para determinar se esta oportunidade geopolítica se converterá em uma
realidade comercial que poderá redefinir o panorama da aviação militar global e
fortalecer significativamente a posição brasileira no cenário internacional de
defesa.